“Quando a gente vai buscar contato com um estranho, busca um ponto de contato. E olha que interessante que esse ponto de contato, tantas das vezes, seja uma reclamação. O ônibus ou elevador pode estar demorando demais, o preço das coisas no supermercado, alto demais, o tempo estar muito quente, frio ou chuvoso. É como se a reclamação unisse, como se compartilhar com o outro algo de ruim fosse um bom ingrediente para quebrar o gelo. Curiosamente, esse hábito apenas revela como o viés negativo é um modo de compreender a vida muito comum”. A análise é de Davi Lago, pesquisador da área da filosofia e que lançou, no ano passado, o livro “Um Dia sem Reclamar”, que tem como coautor o filósofo e professor universitário Marcelo Galuppo. Ele avaliou, em conversa com O TEMPO, que esse comportamento é indício de como, geralmente, tendemos a olhar para as coisas resmungando, enquanto raramente dirigimos para elas um olhar de agradecimento.
E tanta queixa, muitas vezes, se voltam contra nós mesmos quando passamos a nos maldizer diante de qualquer pequeno deslize. É o que observa a naturóloga Tathiana Mariano Pitaluga, lembrando que pensamentos negativos sobre o próprio eu impactam profundamente a forma como nos avaliamos e nos percebemos. Ela busca diferenciar as diversas facetas e origens desse senso sabotador. “Há as crenças semânticas, aquelas que ouvimos, e há as crenças experienciais, que são aquelas formadas a partir de uma vivência”, difere, indicando que ambas podem ser igualmente nocivas.
Especialista em medicina chinesa, ela destaca que valores sobre si mesmo adquiridos na infância costumam ser frequentes entraves. A criança que ouvia de seus pais que era “lerda”, “burra” ou “lenta”, por exemplo, pode introjetar essas características e se perceber dessa maneira mesmo quando for adulta. “Isso é o suficiente para criar um condicionamento, me fazendo crer que preciso trabalhar muito e mostrar que sou muito boa no que faço para superar esses rótulos e merecer amor das pessoas”, adverte.
O astrólogo e terapeuta Emer Oliveira concorda. Ele salienta que as palavras têm poder e que, dirigidas contra nós mesmos ou contra os outros, geram consequências, seja para o bem – ao nos impulsionar para o crescimento pessoal, por exemplo – ou para o mal – quando fortalecem crenças limitantes, que são aqueles pensamentos autodepreciativos que, por alguma razão, tomamos como verdade absoluta.
Pensando nisso, Oliveira propõe, na entrevista que você lê a seguir, uma série de exercícios que podem contribuir para uma mudança de postura, substituindo o viés negativista por um olhar mais propositivo e autocompassivo.
Mini-entrevista
Emer Oliveira, astrólogo e terapeuta
1. Para o bem ou para o mal, qual o poder das palavras e como elas podem fortalecer crenças limitantes ou nos impulsionar para o crescimento?
As palavras, ditas por nós mesmos ou pelos outros sobre nós, têm poder tanto de criar crenças limitantes quanto de fortalecer aquelas já pré-existentes. A título de exemplo, te convido a imaginar uma família com um ente que é dependente químico e que vem se esforçando para sair dessa situação. Contudo, se outros membros da família o atacam, dizendo coisas negativas sobre ele, ele pode se sentir menos capaz, potencializando o problema e aumentando a dificuldade de superá-lo. É como se a pessoa fosse aprisionada pela oratória desses familiares, solidificando crenças limitantes que a própria pessoa tem sobre si mesma. Inclusive, faz bem lembrar que, geralmente, palavras ditas por pessoas com quem temos laço afetivo e familiar tendem a nos impactar de forma mais acentuada, seja para o bem ou para o mal.
2. Muitas vezes, não avaliamos conscientemente o que dizemos. Como os resmungos, que, até por uma questão cultural, saem por sair, sem que façamos muita reflexão sobre aquilo que estamos dizendo. Esse tipo de comportamento pode ser maléfico?
O ato de resmungar para nós mesmos palavras destrutivas – repetindo, por exemplo, que somos ‘burros’ diante do cometimento de um deslize ou erro – é sintoma de autossabotagem. Quando reagimos às intempéries da vida sendo muito duros com nós mesmos, acabamos reforçando ideias de incapacidade, o que vai se revelar um obstáculo para o sucesso. Por outro lado, acredito que quando dizemos, para nós mesmos, coisas positivas a nosso respeito – como “sou próspero”, “sou confiante”, “sou feliz” e “sou abundante” – geramos uma mudança de percepção em relação a nossa própria capacidade, reforçando que somos potentes. Além disso, creio que essas expressões ajudam a mudar a nossa realidade porque as ondas vibratórias que saem da nossa boca estão sintonizadas com as ondas positivas do universo. Você pode mudar até seu brilho pessoal quando você se autoelogia na frente de um espelho, por exemplo. Isso acontece porque palavras positivas contribuem para o fortalecimento da nossa autoestima, nos dando mais confiança para encarar novas oportunidades e desafios. Então, se for resmungar, resmungue o quanto você é incrível, resmungue o quanto você é capaz. Diga a si mesmo que só aceita em sua vida o que é bom. Use essas frases como mantra. Enfim, em vez de se autodepreciar, procure se autoafirmar.
3. Existem exercícios para que nos tornemos mais conscientes sobre aquilo que falamos?
Usar palavras de afirmações positivas no seu dia a dia vai lhe trazer qualidade de vida e bem-estar. Fazer sete dias de afirmações positivas vai mudar o seu padrão energético, promovendo uma transmutação em seu modo de pensar. A partir de então, você vai perceber que seus pensamentos e falas podem, sim, ser corrigidos e ressignificados – e este é um primeiro passo para a concretização de uma grande transformação pessoal. Vou citar algumas afirmações positivas para serem ditas de manhã durante sete dias:
- “Eu crio abundância e co crio prosperidade dentro de mim”
- “Eu me alegro com a alegria, realização e prosperidade que vejo em todos os seres da Terra e só aceito na minha vida o que é bom”
- “Eu estou pronto para viver uma vida plena, sem ressentimentos, cheia de prosperidade, de bons amigos, de boa comida, bons lugares e ótimas experiências”
- “Eu perdoo o meu passado e olho para o futuro com respeito e entusiasmo”
- “De hoje em diante, eu só faço escolhas prósperas para mim. Eu mereço o melhor e aceito o melhor”
4. Esses exercícios vão nos ajudar a fazer reclamações quando se fazem necessárias, como para exigir direitos, evitando que a gente se comporte como verdadeiros ‘reclamões’?
Sim, eles nos ajudam a acalmar os pensamentos que não fazem sentido no dia a dia, apaziguando insatisfações, que vão dar lugar à sensação de contentamento e paz. Dessa maneira, você passará a ver o mundo de maneira mais amistosa, a partir de um olhar mais amoroso e compreensivo para si mesmo e para os outros. Dessa maneira, quando for reclamar, você fará isso com mais sabedoria. A partir de então, conseguirá falar de suas queixas de forma mais clara, evitando atritos desnecessários e nocivos. Sugiro evitar, sobretudo, frases que remetem à escassez, pessimismo e que demonstram um constante remoer das nossas escolhas, que remetem ao famoso “e se”, por exemplo:
- “Eu poderia ter feito mais ou melhor”
- “Está faltando dinheiro”
- “Minha vida não anda”
- “Não vou conseguir sair dessa situação”
- “Ninguém bom aparece na minha vida”