O acordo de leniência com a construtora Coesa foi o segundo dos seis celebrados desde 2021 a ser rescindido pelo governo Romeu Zema (Novo). Junto com a leniência da Andrade Gutierrez, anulada há quatro meses, em setembro passado, o acordo com a ex-OAS previa um ressarcimento de R$ 170 milhões aos cofres do Estado de Minas Gerais até 2044 por fraudes em obras da Cidade Administrativa.
De acordo com a Controladoria Geral do Estado (CGE), o acordo de leniência com a Coesa, celebrado em 2022 e avaliado em R$ 42,7 milhões, foi rescindido porque a ex-OAS deveria ter apresentado um ativo como garantia financeira de que honraria o acordo. Em 2023, o governo e a construtora chegaram a firmar um aditivo, que previa que, sem as garantias, ela deveria depositar o valor da primeira parcela, que venceu em 1º de novembro de 2024, o que não ocorreu. Procurada, a Coesa não respondeu.
A inadimplência também levou o governo Zema a rescindir o acordo com a Andrade Gutierrez. Primeiro celebrado entre os seis, o contrato, firmado ainda em 2021 e avaliado em R$ 128,9 milhões, foi anulado após a construtora pagar apenas a primeira parcela, com atraso. À época, a prestação, que deveria ter sido paga em 31 março de 2023, chegou a R$ 5,2 milhões com juros e moras. A Andrade não pagou as demais parcelas até a rescisão, em setembro de 2024.
Apesar da rescisão dos acordos com a Coesa e com a Andrade Gutierrez, a professora da pós-graduação em Direito da PUC Minas Maria Fernanda Pires crê que ainda é cedo para analisar o mérito das leniências enquanto instrumento. “O problema, ao meu juízo, é explicitamente uma questão de caixa e de não ter condições de arcar neste momento com as próprias dívidas”, pontua a doutora em Direito Público, que diz não haver “fatos outros” que não financeiros.
Dos quatro acordos de leniência restantes, dois já foram cumpridos. As empresas Passos Maia Energética e Moinho pagaram, respectivamente, R$ 22,9 milhões e R$ 9,2 milhões ao Estado por indícios de ilícitos na compra e na venda de energia da Cemig entre 2011 e 2016. Ambos foram quitados em parcelas únicas. A CGE e a Advocacia Geral do Estado ratificaram o cumprimento dos acordos em março de 2024.
Para Maria Fernanda, quando o acordo de leniência foi adotado enquanto instrumento pós-Operação Lava Jato, as empresas não imaginavam que teriam tantas dificuldades em voltar a competir em condições de igualdade no mercado. “O acordo de leniência é casuístico - não é um instrumento que está à disposição de qualquer empresa -, é feito de forma customizada e, diante da inadimplência destas empresas, se o governo não toma providências, fica desacreditado”, avalia a professora.
Além da hipótese da “absoluta falta de lastro para cumprir financeiramente os acordos”, o advogado especialista em Direito Público Bernardo Pessoa cita que a opção por não pagá-los pode ter sido simplesmente uma estratégia. “Para judicializar ou renegociar. Nada impede uma renegociação”, pondera o sócio da Oliveira Filho Advogados, que argumenta que empresas do porte de Coesa e Andrade Gutierrez têm um “corpo jurídico muito forte e muito atento”.
Multas para Coesa e Andrade Gutierrez superam R$ 421 mi
Além de proibir a Coesa e a Andrade Gutierrez de prestar serviços públicos, receber benefícios fiscais e celebrar novos acordos, a rescisão das leniências prevê a execução de multas que, juntas, chegam a aproximadamente R$ 421 milhões, valor 300% superior ao negociado por meio dos instrumentos. O montante inclui o ressarcimento por vantagem indevida e dano à concorrência, dano moral coletivo pelas supostas fraudes e a correção pela Taxa Selic.
Embora as leniências determinem o “vencimento e a execução antecipada e integral da dívida, abatendo-se o valor já pago”, o governo Zema, que chegou a informar que ainda cabe recurso à Coesa, não respondeu quando a multa será executada e se já recebeu a multa prevista para a Andrade Gutierrez, por exemplo. Procuradas, a ex-OAS não respondeu e a Andrade informou que não vai se manifestar.
De acordo com Maria Fernanda, a multa é auto executável pelo próprio Estado. “Agora, nada impede que a empresa vá a juízo tentar não apenas suspender o cancelamento. Aí, teria que analisar eventuais nulidades, se teve ampla defesa, contraditório, enfim, questões de legalidade por si só, porque o fato de não pagar uma dívida a tempo e modo já é um motivo (para a rescisão)”, explicou ela, que ainda avalia como difícil uma decisão favorável do Judiciário, pelo “princípio da separação dos poderes”.
Já Pessoa projeta que o Estado pode executar os acordos inadimplidos, oferecer uma ação civil pública e, até mesmo, fazer nada. “Ou o Ministério Público, com base no reconhecimento da participação das empresas no ilícito, pode propor ação penal ou de improbidade. São vários caminhos que podem acontecer. Certamente as empresas vão buscar se defender ou apresentar ação para tentar declarar a nulidade dos acordos”, cita o advogado.
Dois acordos estão em vigor
Fora os acordos de leniência rescindidos e cumpridos, o governo Zema tem outros dois em andamento. O maior dos seis, de R$ 202,4 milhões, é com a OEC e com a Novonor, ex-Odebrecht. Em 2022, ambas celebraram um contrato de 21 parcelas anuais, que variam entre R$ 6 milhões e R$ 13,4 milhões. A primeira venceu em 1º de outubro de 2024.
Em nota encaminhada nesta sexta (10 de janeiro), a CGE confirmou que a OEC e a Novonor pagaram os valores “devidamente atualizados” da primeira prestação do acordo. A leniência com a ex-Odebrecht foi provocada por fraudes na construção da Cidade Administrativa e em contratos com a Cemig por meio do Luz para Todos, entre 2004 e 2011.
O acordo restante é com a SAP Brasil, fruto de uma fraude em uma licitação para contratar o sistema integrado de gestão de recursos humanos em conluio com outras empresas e agentes públicos individuais. Avaliado em R$ 66,3 milhões, o contrato foi celebrado em 3 de dezembro de 2024 e prevê o pagamento em parcela única, em até 30 dias.