A acareação no Supremo entre o general Walter Braga Netto e o tenente-coronel Mauro Cid, no inquérito que apura o plano de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro no poder, foi menos cena de filme de tribunal e mais um teatro de guerra silenciosa entre hierarquia, ressentimentos e estratégias jurídicas.
No centro do palco, o ministro Alexandre de Moraes presidia a audiência sentado na cabeceira da mesa em T, ladeado por Luiz Fux e pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet. À frente deles, cara a cara, dois homens com histórias cruzadas por laços de caserna, lealdade política e agora por versões incompatíveis sobre o que sabiam – e o que fizeram – para tentar manter o capitão no Planalto. Ao fundo, como plateia restrita, advogados de outros réus do núcleo duro do bolsonarismo, todos com acesso aos celulares proibidos pela Polícia Judicial do STF.
Diante do embaraço e da tensão, Braga Netto e Mauro Cid não trocaram continência. Para muitos, um sinal claro de que a antiga relação de respeito hierárquico estava, naquele momento, arquivada. Advogados mais atentos notaram que a frieza se manteve do início ao fim. Nem o “bom dia” pareceu protocolar.
Nos bastidores, o debate mais quente não foi entre os acareados — que se contiveram com os olhares baixos e falas formais —, mas entre os advogados. José Luis de Oliveira Lima, o Juca, que defende Braga Netto, disse que Mauro Cid estava acuado, com ar de medo diante do ex-chefe quando chamado de “mentiroso” por duas vezes.
Já Cezar Bittencourt, advogado de Cid, retrucou à altura em mensagem à coluna: “Está mentindo é quem inventou isso! Ninguém chama alguém de mentiroso em uma audiência no STF!”, disse, irritado com a narrativa de que seu cliente teria tremido diante da patente superior.
Outro defensor ouvido pela coluna tentou a diplomacia e afirmou que não ouviu a palavra “mentiroso” diretamente, mas sim que Braga Netto teria dito ao ministro Moraes que Cid “estaria mentindo”. Uma sutil diferença semântica que, em um ambiente dominado por generais e códigos de honra, faz toda a diferença.
Houve quem dissesse que Cid estava até mais confortável do que em depoimentos anteriores, quando teve de encarar perguntas incisivas da Primeira Turma sob flashes e câmeras e olhares atentos de jornalistas sobre ele. Na acareação, longe dos fotógrafos, teria mantido postura menos encolhida – embora não exatamente altiva.
Castas jurídicas
A ambientação também foi tema de cochichos e olhos torcidos: os advogados que não estavam à mesa principal reclamaram das regalias do topo da pirâmide – ou do T da mesa. Enquanto os ministros tomavam água em copos de vidro e café em xícaras de porcelana, os defensores se viravam em copos de papel, para que não houvesse o risco de ninguém atirar nada em ninguém. A diferença de tratamento entre castas jurídicas incomodou mais de um causídico presente, inclusive na proibição de acesso ao banheiro em frente à sala de audiências, restrito a ministros e ao PGR. O outro “mais próximo” exigia maior caminhada - e mais tempo longe dos acareados.
“Pela ordem, excelência”
O Mundial de Clubes da FIFA foi lembrado na acareação de Braga Netto e Mauro Cid. Isso porque o advogado José Luis de Oliveira Lima tentou adiar a audiência. Motivo: ele estava nos Estados Unidos acompanhando o Palmeiras, seu time e líder na primeira fase de grupos. Mas o torcedor do Corinthians Alexandre de Moraes não cedeu ao apelo e manteve a data. Juca teve que voltar às pressas sem poder acompanhar o susto que o Verdão levou até arrancar um empate de 2 a 2 com o estrelado Inter Miami, capitaneado por Lionel Messi, na primeira rodada. “Vossa Excelência só não mudou a data porque é corintiano”, brincou o advogado com o ministro. E o jogo seguiu.
Xoxa, manca e capenga
E assim, a acareação mais esperada do inquérito do golpe terminou sem confissão, sem reviravolta dramática, sem gritos e dedos na cara, mas com o registro histórico de quando quatro homens poderosos, militares e civis – teve também Anderson Torres com o ex-comandante do Exército Freire Gomes –, se enfrentaram sob as luzes discretas do Supremo. E a guerra que antes era nos bastidores, agora passa a ser nas entrelinhas.