A força-tarefa de obstrução do bloco de oposição ao governador Romeu Zema (Novo) adiou em pelo menos um dia a votação da proposta de adesão do Estado de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) da União. Após quase quatro horas de acusações, 200 requerimentos apresentados e pressão dos servidores públicos, o Projeto de Lei (PL) 1.202/2019 foi retirado da pauta da Comissão de Administração Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) nesta terça-feira (7/11).
A reunião foi encerrada após a deputada Beatriz Cerqueira (PT) acusar deputados da base de governo de supostamente ter acesso a um requerimento por ela apresentado, mas que ainda não havia sido lido pelo presidente da Comissão de Administração Pública, Leonídio Bouças (PSDB). Para obstruir a discussão da adesão do Estado ao RRF, a deputada propunha que o PL 1.202/2019, que estava na pauta ao lado de outros três projetos de lei, fosse retirado da ordem do dia.
O que levou Beatriz a levantar a suspeita foi a apresentação de um requerimento do líder da maioria, Carlos Henrique (Republicanos), substitutivo ao dela. A proposta do deputado era tirar os três projetos de lei restantes da pauta, mas deixar o PL 1.202/2019. De acordo com Beatriz, Carlos Henrique, para propor aquele requerimento, só poderia ter tido acesso ao seu. “Eu vi a movimentação. O requerimento (do Carlos Henrique) foi para um lado, foi para outro, foi para a mesa, saiu da mesa, eu vi a movimentação”, alega a deputada.
Beatriz ainda aponta que o requerimento apresentado por Carlos Henrique sequer poderia ter sido apresentado por Leonídio, porque o presidente da Comissão de Administração Pública havia prometido que os requerimentos seriam votados na ordem em que foram apresentados. “O governo quer ganhar? Ganha no rito correto, no voto, e não no tapetão tentando manipular, interferir em requerimentos e tendo acesso antes”, insinua a deputada, que acrescenta que o seu requerimento foi apresentado ainda na segunda (6/11).
Já Carlos Henrique defende que o rito foi regimental e que nenhum deputado teve acesso a “informação privilegiada”. “Claro que à medida que a oposição viu que nós tínhamos quórum para aprovar e comprometer o trabalho de obstrução que eles fizeram, criou-se todo um ambiente de pressão, que é legítima. A gente compreende, faz parte do processo”, emenda o líder da maioria. O cálculo era que, dos sete membros da Comissão de Administração Pública, quatro, considerando o presidente, votariam com o governo.
O líder do governo Zema, João Magalhães (MDB), é outro a negar que a base tenha tido acesso ao requerimento proposto por Beatriz. “Não houve nenhuma manobra. Ninguém teve conhecimento do requerimento. Nós conhecemos o modus operandi da comissão (de Administração Pública), especialmente o modus operandi de obstrução. Todos sabíamos que o primeiro requerimento seria de retirada de pauta e o segundo de votação nominal”, afirma Magalhães, que presidia a Administração Pública antes de ser líder.
De acordo com Leonídio, ele já havia lido o requerimento, que estava sobre a mesa junto aos outros. “Eu já havia lido e o deputado apresentou o substitutivo. Isso é normal acontecer. Nós acatamos (o substitutivo) logo depois, suspendemos a reunião e resolvemos tirar todos os projetos da pauta desta tarde, fazendo amanhã uma nova reunião extraordinária, mas apenas com o projeto do RRF sendo discutido”, defende o presidente da Administração Pública.
A proposta de adesão ao RRF, que prevê apenas duas recomposições salariais de 3% aos servidores públicos em nove anos e o congelamento de concursos públicos a partir de 2024, voltará à Comissão de Administração Pública nesta quarta (8/11), às 9h30. Entretanto, o PL 1.202/2019 não deve ser votado, já que o parecer de Leonídio, que também é o relator, sequer foi distribuído. A expectativa é que o relatório seja distribuído e o texto seja votado apenas em outra reunião.
Oposição lança mão do ‘kit-obstrução’
A oposição, somada ao deputado Sargento Rodrigues (PL), que, embora seja de um dos blocos de sustentação ao governo, é contrário à adesão ao RRF, obstruiu a reunião desde o primeiro momento. De largada, antes mesmo da apreciação da ata da reunião anterior, Rodrigues questionou Leonídio, qual seria a ordem de discussão dos 200 requerimentos que disse ter apresentado ao lado de Beatriz e do deputado Professor Cleiton (PV).
Após o presidente ter explicado que eles seriam discutidos na ordem em que foram apresentados, Beatriz questionou Leonídio qual seria o quórum de votação da reunião. "Os deputados aptos a votar são Carlos Henrique (Republicanos), que está como suplente do deputado Roberto Andrade (Patriota), o deputado Sargento Rodrigues, o deputado Professor Cleiton, Vossa Excelência, o deputado Rodrigo Lopes (União), a deputada Nayara Rocha (PP) e eu", respondeu, então, Leonídio.
Rodrigues, Beatriz e Cleiton ainda voltaram a confrontar o presidente da Comissão de Administração Pública durante a leitura da ata da reunião anterior. Enquanto Leonídio iria apreciar a ata sem ler a íntegra, como é de praxe, os deputados pediram para que o documento da reunião anterior fosse lido integralmente, como também prevê o regimento interno da ALMG. Após Rodrigo ler a ata na íntegra, os três oposicionistas ainda lançaram mão do tempo de cinco minutos a que cada um tinha direito para discutir a ata.
Ao falar, Cleiton, por exemplo, chegou a pedir que a reunião fosse suspensa porque a TV ALMG não estaria transmitindo a reunião. "A ordem do presidente da ALMG (Tadeu Martins Leite, o Tadeuzinho) de que a discussão da adesão ao RRF deve ser a prioridade está sendo descumprida. Não é porque ele está na China que a gente pode descumprir as suas ordens", apontou o deputado. Em seguida, Leonídio disse que não haveria necessidade, porque "a TV ALMG já está aqui para fazer a transmissão".
No fim da sua fala, Cleiton chegou a blefar, pedindo para que a votação da ata da reunião anterior fosse nominal. Entretanto, Leonídio lembrou que, de acordo com o regimento interno da ALMG, as atas não são votadas. "Deputado, as atas são apenas apreciadas", disse o presidente da Comissão de Administração Pública, que, durante a reunião, foi pressionado pelos servidores presentes com inúmeras referências a Uberlândia, no Triângulo Mineiro, já que ele é especulado como pré-candidato a prefeito.
Reunião mudou de lugar em cima da hora
A princípio, a reunião desta terça seria realizada no auditório conhecido como Plenarinho IV, onde as sessões da Comissão de Administração Pública são normalmente realizadas e a capacidade apenas para cerca de 20 pessoas sentadas. Entretanto, Leonídio, a pedido de Beatriz, deu a anuência para que a reunião fosse levada para o Auditório José Alencar, cuja capacidade é para 168 pessoas sentadas, em razão do "número de pessoas".
Logo depois de explicar, os presentes começaram a pedir que as portas do auditório que dão para uma das laterais da ALMG fossem abertas, já que lá havia muitos servidores. "Me falaram que não seria adequado, porque assim não há o controle do número de pessoas. Vou autorizar a abrir, mas só para a visualização", observou Leonídio, respondendo aos gritos de "abre a porta, abre a porta, abre a porta" dos servidores, que fizeram uma greve geral nesta terça contra a proposta de adesão ao RRF.