O Congresso Nacional é muito mais que o monumento modernista de concreto armado com duas cúpulas divididas por dois prédios gêmeos de 28 andares cada, famosos pelas imagens que ilustram reportagens sobre política e onde parlamentares debatem propostas que mexem com o país. Em números e serviços, a sede do Legislativo lembra uma cidade. 

Além dos 81 senadores e 513 deputados federais, abriga cerca de 21 mil servidores (entre concursados e ocupantes de cargos de confiança), 6.100 trabalhadores terceirizados e uma população flutuante que chega a 5.000 visitantes em um dia. Só o número de funcionários é igual ou maior que o de moradores de 75% dos 5.570 municípios brasileiros. 

O contingente de servidores facilita (e muito) o trabalho daqueles que aparecem mais, os congressistas. Para apresentar uma proposta, discursar, debater e fazer muitos vídeos nos corredores, salas de reuniões e plenários, senadores e deputados têm à disposição todo tipo de especialistas - dos seus assessores de confiança a antigos servidores de carreira, incluindo os quase já extintos ascensoristas a muito bem treinados e pagos analistas. 

  • A Câmara tem quase 14 mil servidores: são 2.500 concursados, 1.700 em cargos comissionados (ocupando cargos de confiança) e 9.700 secretários parlamentares, além de 172 estagiários. Há ainda 3.700 terceirizados. 
  • Já o Senado conta com quase 6.000 servidores: são 2.100 concursados e 3.800 comissionados. Há ainda 3.100 terceirizados e 151 estagiários.
  • Os salários nas duas Casas Legislativas variam de R$ 1.300 a R$ 35 mil, além de benefícios como plano de saúde e vales alimentação e transporte.

Congresso ainda mantém ascensoristas

Muitos, ao contrário do propagado, não ganham os gordos salários de dois dígitos dos concursados. É cada vez maior o número de terceirizados nas duas Casas Legislativas, principalmente em áreas como transporte, segurança, limpeza e manutenção. Quase todos recebem um salário mínimo (R$ 1.412). Caso dos 74 ascensoristas, sempre a postos para perguntar “qual o andar?” e apertar os botõezinhos dos elevadores frequentados por senadores, deputados, funcionários e visitantes.

Ascensorista em elevador parado no restaurante exclusivo de deputados, onde telefones fixo são mantidos à disposição de assessores

Além dos ascensoristas, o sobe e desce também é controlado por 8 telefonistas de fluxo de elevadores, 7 recepcionistas de fluxo de pessoas, 2 controladores de tráfego e um encarregado geral. Essas pessoas atendem principalmente os senadores e deputados, em elevadores reservados. Geralmente, para a excelência não ficar esperando a chegada do equipamento, um assessor do gabinete telefona antes para um desses profissionais, que aciona um dos elevadores exclusivos das autoridades e avisa quando ele chegou ao andar desejado.

Barba, cabelo, bigode e sapatos

Já os 4 engraxates, os 10 barbeiros e as 6 cabeleireiras e manicures atendem a todos, sem qualquer vínculo empregatício com o Congresso. Eles têm apenas uma autorização para trabalhar em um espaço do subsolo do Senado, dividido em dois ambientes: um para os engraxates e outro para a barbearia e salão de beleza. Houve um tempo em que os engraxates conviviam com uma tabacaria e bomboniere, além das fumaças dos cigarros e charutos e cachimbos dos clientes – o fumo era liberado até nos plenários.

Fábio de Jesus, 47 anos, é o mais antigo engraxate do Congresso. Começou na atividade ali aos 15, 10 anos após chegar a Brasília, vindo de São Bento, no Maranhão, com a mãe e os 13 irmãos. A família seguia o mesmo caminho de muitas outras da região Nordeste em busca de sobrevivência. Antes de conseguir uma cadeira no Congresso, Fábio vigiou e lavou carros na rua, enquanto a mãe ganhava a vida como doméstica. Pouco depois de ela conseguir uma vaga de serviços gerais na Câmara, o filho ganhou autorização para trabalhar como engraxate.  

Nesses 32 anos atendendo parlamentares, servidores e visitantes, Fábio também estudou. Recentemente se formou em ciências contábeis. “Sempre encarei o serviço de engraxate como complemento de renda. À noite trabalho como vigilante. Já consegui comprar minha casinha. Com o curso superior, espero melhorar de vida”, conta ele, pai de duas crianças. Como os demais colegas, Fábio cobra R$ 15 pela graxa e polimento. Ainda faz pequenos reparos. Por isso sempre carrega uma sacola com calçados deixados por servidores.

Fazendo a cabeça de servidoras e parlamentares

No salão e barbearia, o preço médio é R$ 50 – “corte simples” ou barba. Para fazer pés e mãos, as manicures cobram R$ 70. Duas antigas placas de metal, fixadas na entrada, trazem o texto da portaria de 1980 que “regulamenta o funcionamento da barberia”. Deixa claro que é de “uso privativo dos senhores parlamentares e funcionários”, “podendo ser atendidos, na medida do possível, os respectivos dependentes”. 

Barbearia do Congresso: no mesmo espaço funciona o salão de beleza e, ao lado, fica a engraxataria

Deputados e senadores continuam tendo preferência, mas eles são minoria entre a clientela. “Tem mais servidores que parlamentares, né!? Eles vêm principalmente na segunda-feira, quando os parlamentares estão fora e, por isso, os funcionários têm mais tempo para cuidar dos cabelos, pés e mãos”, conta Grace Kelly do Nascimento, de 42 anos. Há 10 ela trabalha no salão do Congresso. Para completar a renda e criar filhos e netos, a piauiense de Teresina atende em outro salão, longe do Plano Piloto, aos sábados.

Cafezinho de graça, pão e palito de queijo a R$ 1

Já para alimentar tanta gente que trabalha nas salas e circula pelos corredores, salões e plenários, o Congresso tem quatro restaurantes, além de lanchonetes. Quase todos são abertos ao público em geral. Quem lá não trabalha mas quiser consumir algo, basta se identificar em um das entradas, onde há seguranças e equipamentos de raios-x, além das atendentes e seus computadores. 

Tem self-service, a la carte, saladas, peixes, filés. É grande a variedade. Os preços variam conforme o estabelecimento, mas não são caros, principalmente para os padrões brasilienses, em especial aqueles frequentados por autoridades. Os mais em conta são administrados pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (Senac), que explora algumas das unidades de alimentação da Casa no programa de formação profissional da entidade.

Nessa parceria, o Senac reformou instalações, que transformou em restaurantes-escolas. Além das melhorias, a instituição se comprometeu a oferecer produtos de boa qualidade com preços acessíveis. Dessa forma, cada vez atrai mais consumidores. Tanto que chega a ter filas nas lanchonetes, onde duas iguarias mineiras são as maiores atrações: o pão de queijo (vendido a R$ 1,11 a unidade) e o palitinho de queijo (R$ 1,19).

A procura é tanta que, recentemente, os gerentes tiveram que limitar a venda a cinco unidades de cada por compra – o que não impede o cliente de voltar à fila e comprar mais. O palitinho de queijo, uma receita original do Senac, supera o pão-de-queijo em vendas. Todo mês são produzidas mais de 40 mil unidades do palitinho, enquanto são feitos 35 mil pães de queijo, só para atender a demanda das unidades do Congresso. 

O chef e os funcionários das lanchonetes não revelam os segredos do palitinho, mas a equipe de O TEMPO em Brasília apurou (e provou, claro) que ele é feito com três queijos: meia cura, curado e parmesão. Deliciosamente macio por dentro e crocante por fora. Melhor ainda se acompanhado por um cafezinho. 

Nas unidades do Senac no Congresso, o coado é de graça, servido em xícara de porcelana ou copinho de plástico, a critério do freguês. Em dias de grande movimento e com votações que vão até tarde da noite, só a lanchonete anexa ao plenário da Câmara chega a produzir 6 mil xícaras de café, forte e bem quentinho.