BRASÍLIA – Dos 26.468 médicos atuando no Mais Médicos e no Médicos pelo Brasil, 2.659 são de Cuba, o que corresponde a 10%. Entre os cubanos, 1.064 têm registro no Conselho Regional de Medicina (CRM) obtido via Revalida, processo para validar diplomas obtidos no exterior. Os outros 1.593 são intercambistas que vêm ao Brasil apenas para ocupar vagas não preenchidas por profissionais brasileiros, independentemente da situação de seus diplomas.

Na quarta-feira (13/8), o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, anunciou medidas para revogar e restringir vistos de brasileiros “por cumplicidade” com o Mais Médicos. A punição atingiu dois dos criadores do programa. Rubio afirmou que ambos atuaram no “esquema de exportação de trabalho forçado do regime cubano”, em referência à participação de médicos cubanos no programa entre 2013 e 2018. 

O secretário do governo de Donald Trump ainda impôs restrições a autoridades de países africanos, de Cuba e de Granada, sob a acusação de privar a população cubana de cuidados médicos essenciais, sem citar o embargo econômico imposto pelos EUA há seis décadas, que impede a chegada de medicamentos e outros insumos à ilha.

Mais de 60 países pagam por médicos cubanos

Nenhuma autoridade dos outros países que recebem médicos cubanos sofreu qualquer sanção por causa da parceria. Cerca de 24 mil médicos cubanos atuam em 64 países, por meio de parceria com o governo da ilha caribenha. A Itália, por exemplo, tem mais de 300 médicos cubanos. Eles trabalham na região da Calábria, distribuídos em 27 hospitais.

Recentemente, a Brigada Médica Cubana foi homenageada com uma placa de agradecimento entregue pelo presidente da Associação Nacional de Amizade Itália-Cuba (Anaic), Marco Papacci. A cerimônia, realizada em Cosenza, destacou a atuação dos profissionais na linha de frente da saúde. “Decidimos honrá-los com esta placa para expressar nosso mais profundo agradecimento pelo que fizeram, fazem e continuarão a fazer, não apenas pelo nosso país, mas pela humanidade”, afirmou Papacci.

A Brigada Médica Cubana atua na Calábria desde dezembro de 2022, com profissionais em 23 especialidades, presentes nas cinco províncias da região — Cosenza, Catanzaro, Crotone, Reggio Calabria e Vibo Valentia. A Itália tem como primeira-ministra Giorgia Meloni, considerada uma representante da extrema-direita, aliada de Trump.

O contrato firmado entre os governos de Cuba e da Itália prevê a exportação de até 497 médicos da ilha caribenha para o país europeu. A Itália paga, a cada um, 3.500 euros por mês (cerca de R$ 19,4 mil), além de um auxílio de 1.200 euros destinado a custear moradia e alimentação. 

Cuba diz ter um excedente de médicos, o que permite parcerias como essa. Já a Calábria sofre uma escassez desses profissionais desde 2010, parte de uma crise de saúde em todo o país.

Durante a pandemia de Covid-19, cerca de 40 países dos cinco continentes, incluindo a Itália, receberam médicos cubanos. Desde a revolução em 1959, liderada por Fidel Castro, Cuba enviou médicos para locais de desastres e surtos de doenças em todo o mundo. Na última década, eles combateram a cólera no Haiti e o ebola na África Ocidental.

O que é o Mais Médicos

Criado no Brasil em 2013, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), quando o ministro da Saúde era Alexandre Padilha - o mesmo que atualmente ocupa o cargo-, o programa Mais Médicos visava melhorar o atendimento aos usuários do Sistema Único de Saúde (SUS).

A proposta era levar médicos para regiões prioritárias, remotas e de difícil acesso, onde havia escassez de profissionais, além de promover a formação e qualificação de médicos por meio de parcerias com instituições de ensino. 

A prioridade era para profissionais brasileiros, mas estrangeiros preenchiam as vagas remanescentes. Os médicos recebiam bolsa federal e atuavam principalmente na Atenção Primária à Saúde, responsável por resolver cerca de 80% dos problemas de saúde.

Com baixa adesão de profissionais brasileiros, em sua primeira fase, o Mais Médicos era composto, em sua maioria, por cubanos. Em 2015, dos 18,1 mil profissionais atuantes no programa, 60% vinham de Cuba, segundo o Ministério da Saúde.

Os cubanos eram recrutados por meio de convênio com a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que ficava responsável por repassar os valores recebidos do governo brasileiro para Cuba – o regime ficava com até 70% dos salários dos médicos.

Nesses cinco primeiros anos de Mais Médicos, a iniciativa do governo brasileiro alcançou áreas de difícil acesso e alta vulnerabilidade social, incluindo distritos indígenas, e chegou a mais de 4 mil municípios, beneficiando mais de 63 milhões de pessoas. 

Os médicos estavam em todos os 34 Distritos Sanitários Especiais Indígenas. Em mais de 700 cidades, o atendimento médico regular foi oferecido pela primeira vez. Em 2016, o programa era responsável por 48% das equipes de Atenção Básica em municípios com até 10 mil habitantes e garantia 100% da cobertura em 1,1 mil cidades.

Bolsonaro mudou programa

Em 2018, com a eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), Cuba decidiu deixar o convênio com o Brasil e a Opas para o Mais Médicos. O regime cubano alegou serem “inaceitáveis” as exigências feitas pelo governo Bolsonaro, para que os médicos tivessem que passar pelo Revalida e recebessem o salário integralmente.

O governo Bolsonaro renomeou o programa, que passou a se chamar Médicos pelo Brasil e ainda está em vigor. Ele exige registro ativo no CRM brasileiro, com um processo seletivo, por meio de etapas classificatórias e eliminatórias realizadas pela Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps).

Os profissionais aprovados ingressam como bolsistas, ganhando, nos dois primeiros anos, uma bolsa-formação de R$ 15 mil mensais, período em que realizam a especialização obrigatória em Medicina de Família e Comunidade (MFC). Ao concluir a formação e serem aprovados na avaliação final, são contratados no regime celetista pela Adaps, com plano de carreira estruturado e possibilidade de progressão salarial.

Em 2023, com a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), houve uma retomada do Mais Médicos, com o nome Mais Médicos para o Brasil, desta vez priorizando os médicos nacionais. 

O Mais Médicos tem 28 mil vagas para profissionais em 4.547 municípios, beneficiando 73 milhões de brasileiros, segundo o Ministério da Saúde. 

Em janeiro de 2025, o Médicos pelo Brasil contabilizava 4.073 médicos bolsistas e 442 tutores atuando na formação em MFC. Juntos, os dois programas reúnem 26.468 médicos, em 81,6% dos municípios brasileiros.