Crime na Amazônia

Dom e Bruno: PF busca mais suspeitos e apura conexão com tráfico internacional

PF confirma localização de corpos, mas ainda procura a embarcação em que estavam jornalista inglês e servidor da Funai. Agentes estão atrás de mais suspeitos e acreditam em crime encomendado por narcotraficante

Por Renato Alves
Publicado em 16 de junho de 2022 | 09:38
 
 
 
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A Polícia Federal procura mais suspeitos de participar da emboscada e da morte do  indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira, 41 anos, e do jornalista britânico Dom Phillips, 57.

A corporação confirmou, na noite desta quarta-feira (15), que um dos suspeitos investigados pelo desaparecimento de ambos confessou envolvimento no assassinato deles. 

A investigação aponta a pesca e a caça ilegal na região – e os conflitos decorrentes das atividades ilegais – como pano de fundo do crime. 

Policiais investigam um suposto financiamento da atividade ilegal de pesca e caça pelo narcotráfico na região, comum em praticamente toda a tríplice fronteira do Brasil com Peru e Colômbia. 

Caso seja confirmada a conexão com tráfico internacional de um eventual crime, o caso passará a ter natureza federal e será investigado apenas pela PF.

Acusado diz que dupla foi morta a tiros e corpos queimados e mutilados

Na noite de quarta, agentes encontraram restos mortais no local apontado pelo acusado. Dom e Bruno desapareceram em 5 de junho, quando retornavam para Atalaia do Norte (AM), município mais próximo à terra indígena Vale do Javari. 

Eles foram perseguidos e alvos de tiros. Mortos, tiveram os corpos queimados e mutilados, antes de serem enterrados, numa tentativa de ocultação do crime, segundo o suspeito.

As informações foram dadas em entrevista coletiva, na noite de quarta-feira, em Manaus. Segundo o superintendente da Polícia Federal no Amazonas, Eduardo Alexandre Fontes, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como Pelado, confessou o crime na noite de terça-feira (14) e foi levado até o local do crime. Lá os agentes fizeram a reconstituição da cena.

"Ontem [terça] à noite, o primeiro preso [Pelado] no final da noite resolveu confessar a prática criminosa. Ele narra com detalhes e aponta o local onde havia enterrado os corpos. Saímos cedo ao local [nesta quarta] e lá houve demora porque realizamos a reconstituição do crime. Depois fomos ao local onde ele disse que havia enterrado os corpos e onde havia afundado a embarcação", relatou Fontes.

Barco de vítimas também foi enterrado para dificultar investigação

Mas as escavações só começaram na quarta-feira devido à dificuldade de acesso ao local, que não tem sinal de celular e fica a duas horas de viagem de barco desde a cidade mais próxima.

Nesta quarta, agentes da PF levaram Pelado novamente ao local dos desaparecimentos. Ele estava totalmente coberto quando foi colocado em uma embarcação para a busca dos corpos, em meio à uma multidão que acompanhava a movimentação em um pequeno porto de madeira. 

A embarcação com policiais federais subiu o rio Itaquaí, percorrido por Dom e Bruno, pouco antes das 13h (15h no horário de Brasília).

Ainda segundo o delegado Eduardo Fontes, além do local onde o jornalista e o indigenista foram executados, Pelado mostrou onde a embarcação que eles usavam foi afundada para dificultar as investigações. 

No entanto, a embarcação não havia sido encontrada até o fim da noite de quarta-feira. A busca por ela deverá ser retomada nesta quinta-feira (16), segundo Fontes. "Colocaram sacos de terra nela para ela afundar. Tiraram o motor, afundaram o motor", contou o delegado.

Ele disse ainda que os corpos foram encontrados 3,1 km mata adentro. Fonte destacou que não teria sido possível localizar os restos humanos nesse período de tempo caso não houvesse a confissão de Pelado. 

“Em sendo comprovados que os remanescentes são relacionados ao Dom Phillips e ao Bruno Pereira, serão entregues à família”, disse o delegado.

Os corpos foram resgatados no fim da noite de quarta-feira e serão enviados para Brasília nesta quinta.

Eles serão periciados pelo Instituto de Criminalística da PF, que tem a função de identificar e determinar a causa da morte, além da arma usada no crime.

Pelado disse que as mortes ocorreram com disparo de arma de fogo, segundo a PF. No entanto, ele nega que tenha sido autores dos tiros fatais.

Durante as buscas pelo indigenista e pelo jornalista, uma equipe de indígenas conseguiu localizar uma mochila, roupas e um documento pessoal de Bruno Araújo, no rio Itaquaí. 

No domingo (12), mergulhadores do Corpo de Bombeiros do Amazonas foram ao local na tentativa de recolher mais objetos. Encontraram itens em uma árvore submersa, o que indica intenção de ocultamento. Tudo foi entregue à PF e também enviado a Brasília para perícia.

Delegado diz que novas prisões podem ocorrer

Além do superintendente da PF, participaram da entrevista coletiva representantes das Forças Armadas e das forças policiais do Amazonas. Elas disseram ainda que novas prisões podem ocorrer. 

"Todos os esforços foram empregados. Nossa missão precípua desde o início era encontrá-los com vida. Infelizmente trazemos essa triste notícia", afirmou o delegado da Polícia Civil Guilherme Torres.

Ele garantiu que a força-tarefa montada para desvendar o desaparecimento de Dom e Bruno não terminaria na quarta-feira e que não descartava a hipótese de outras pessoas estarem envolvidas. "Hoje, podemos dizer que um grande passo foi dado neste caso hediondo. Um crime brutal", ressaltou Torres.

Também preso, irmão de Pelado nega participação

Além de Pelado, há outro suspeito de envolvimento no crime. Preso na terça-feira, Oseney de Oliveira, o Do Santos, é irmão de Pelado. Ele permaneceu em Atalaia na quarta para a audiência de custódia. A PF disse que Do Santos nega ter participado do assassinato.

Os irmãos moram na comunidade São Gabriel, ocupada por ribeirinhos que sobrevivem da pesca e da agricultura tradicional. Alguns, no entanto, teriam sido cooptados pelo crime organizado, ganhando para participar de um esquema de pesca ilegal, em maior escala.

A região é marcada por forte exploração ilegal do pirarucu e de tracajás, principalmente dentro da terra indígena. Traficantes de drogas alimentariam a pesca ilegal com barcos e equipamentos modernos, caros. 

O delegado Eduardo Fontes acredita no envolvimento de Do Santos e diz haver  indícios de participação de uma terceira pessoa no crime. Ele, no entanto, não quis falar sobre o narcotráfico. Alegou que o detalhamento de informações pode atrapalhar as investigações.

Peritos também analisam material genético entrado anteriormente

Na última sexta (10), a PF divulgou que havia encontrado o que poderia ser vestígios de material genético humano na região do rio Itaquaí, mas aguarda o resultado da perícia.

Os investigadores falaram na ocasião em material "aparentemente humano" nas proximidades do porto de Atalaia do Norte. Ele também está sendo periciado em Brasília.

Mulher de Dom Phillips fala sobre “desfecho trágico” e justiça

Após a informação sobre a confissão de Pelado e a confirmação da lozalização de corpos, a mulher de Dom Phillips, Alessandra Sampaio, disse que o "desfecho trágico põe um fim à angústia de não saber o paradeiro" de seu marido e Bruno Pereira.

"Agora podemos levá-los para casa e nos despedir com amor", escreveu Alessandra, em um comunicado. Ela afirmou ainda que, agora, tem início uma jornada por justiça.

"Espero que as investigações esgotem todas as possibilidades e tragam respostas definitivas, com todos os desdobramentos pertinentes, o mais rapidamente possível."

Servidores da Funai cobram pedem saída de presidente da fundação

Bruno Araújo e Dom Phillips faziam uma viagem pela região próxima ao território indígena, o segunda maior do país, com 8,5 milhões de hectares, no extremo oeste do Amazonas.

Há relatos de tiros contra bases de fiscalização da Fundação Nacional do Índio (Funai) por parte de pescadores ilegais. 

O cenário de conflitos levou a um reforço da vigilância empreendida pelos próprios indígenas, a partir de uma iniciativa da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja).

Bruno Pereira é servidor federal licenciado da Funai e prestava serviço à Univaja. Ele atuava como um fomentador da vigilância indígena e já havia participado de incursões na Amazônia com Dom Phillips. Colaborador regular do jornal britânico The Guardian, dessa vez, Dom visitava comunidades indígenas para apuração de um livro que escrevia com apoio de uma fundação estrangeira. 

Na noite desta quarta-feira, servidores da Funai fizeram uma vigília em Brasília e pediram justiça para Pereira e Phillips. Eles acenderam velas e estenderam uma bandeira de Brasil suja de vermelho em frente à sede da fundação.

Os funcionários pedem a saída do presidente da fundação, Marcelo Xavier, e o envio de homens da Força Nacional para o Vale do Javari.

"Quem mandou liberar? Boiada, garimpo, madeireiras, grilagem, queimadas em terras da União e em território indígena?", dizia um dos cartazes colocados ao lado da foto de Pereira e Phillips.

Bolsonaro disse que Dom Phillips "era mal visto na região"

Logo após o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson, fazer a primeira manifestação pública sobre o caso e demonstrar preocupação com o paradeiro de Dom Phillips, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o correspondente estrangeiro "era mal visto na região" porque fazia reportagens contra criminosos e que deveria ter tido mais atenção "consigo próprio".

"Esse inglês era mal visto na região, porque fazia muita matéria contra garimpeiros, questão ambiental, então, naquela região lá, que é bastante isolada, muita gente não gostava dele. Ele tinha que ter mais que redobrada atenção para consigo próprio e resolveu fazer uma excursão. A gente não sabe se alguém viu e foi atrás dele, lá tem pirata no rio, lá tem tudo que possa imaginar lá", disse o presidente à jornalista Leda Nagle, em entrevista na manhã de quarta-feira.

Bolsonaro afirmou ainda que Dom Phillips e Bruno Pereira, que desapareceu com o jornalista, deveriam estar armados para se protegerem na Amazônia. 

"É muito temerário você andar naquela região sem estar devidamente preparado fisicamente e também com armamento devidamente autorizado pela Funai, que pelo que parece não estavam", ressaltou Bolsonaro. 

Bruno Pereira estava licenciado da Funai há três anos, desde que foi exonerado de uma função na gestão de Bolsonaro, justamente por ir contra a política do atual governo, que tem defendido o garimpo e outras ações extrativistas na Amazônia, ao mesmo tempo que esvazia órgãos de fiscalização, como a Funai, diminuindo verbas e colocando militares no lugar de servidores de carreira para exercer funções de chefia.

Boris Johnson fala em preocupação e ajuda ao governo brasileiro

Em sua primeira manifestação pública sobre o caso, Boris Johnson, disse no parlamento do seu país, também na manhã de quarta-feira, portanto antes da descoberta dos corpos, que estava "profundamente preocupado" com o que pode ter acontecido com Dom Phillips.

Johnson disse ao parlamento britânico que ofereceu ajuda ao Brasil e que o Reino Unido está pronto para dar suporte ao governo brasileiro nas operações de busca a Dom Phillips e a Bruno Pereira. 

Bolsonaro não comentou as declarações de Boris Johnson. Ele sequer foi questionado por Leda Nagle, apontada como simpatizante do presidente e defensora de teorias negacionistas sobre a Covid-19.

Itamaraty pediu desculpas à família de Dom Phillips

A embaixada do Brasil no Reino Unido chegou a comunicar à família de Dom, na segunda-feira (13) que policiais federais haviam encontrado os corpos da dupla.

No mesmo momento, o presidente Jair Bolsonaro fez uma declaração falando que tudo levava a crer que ambos haviam sido vítimas de um crime bárbaro. 

No entanto, em seguida, a PF desmentiu o presidente e o Itamaraty, que no fim do dia voltou atrás e pediu desculpas formais à família do jornalista. (Com Folhapress e Estadão Conteúdo)

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