ENTREVISTA

PEC do Plasma é retrocesso e pode gerar apagão, afirma Nísia Trindade

A ministra da Saúde afirmou ao jornal O TEMPO em Brasília que a pasta não descarta tomar medidas contra patrocinadores de anúncios falsos sobre o tema

Por Manuel Marçal
Publicado em 04 de outubro de 2023 | 14:42
 
 
 
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A ministra da Saúde, Nísia Trindade, afirmou à reportagem de O TEMPO em Brasília, nesta quarta-feira (4) que a PEC do Plasma é “um retrocesso” e que pode gerar “um apagão” nos bancos de sangue no país, uma vez que a comercialização pode desestimular os 3 milhões de doadores cadastrados. 

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que abre caminho para comercialização de sangue e plasma humano, foi incluída na pauta da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no Senado Federal nesta quarta-feira. E existe a possibilidade de o texto ser votado ainda hoje pelo colegiado. Atualmente, a Carta Magna veda a comercialização.  

“A PEC do Plasma é um retrocesso em relação ao que definiu a Constituição de 1988. A realidade anterior era de uma situação de uma total insegurança por parte do doador, de sangue, muitas vezes as pessoas vendiam e isso impactava a sua saúde. E também do receptor, uma vez que não havia os critérios de qualidade que foram implantados com o sistema nacional dedicado ao sangue. Então, isso estaria em risco, assim como (estaria em risco) a autossuficiência do país em hemoderivados. Não é ´possível pensar no uso comercial que se exporte sangue, plasma, que é o que se usa nos hemoderivados”.  

Nísia Trindade afirmou que é um risco o Brasil sofrer um “apagão” de sangue caso a legislação vigente seja alterada. “É sim possível ter um apagão. Uma vez que nós temos 3 milhões de doadores. Mexer nesse processo, que é tão importante, e tão virtuoso poderia levar sim a um apagão porque poderia impactar nessa doação”, pontua.  

Quem também corrobora dessa visão é o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Complexo da Saúde Carlos Gadelha. “Se a gente desestimular a doação de sangue porque o sangue virou um comércio, pode faltar sangue até para transfusão, além de faltar o plasma para a Hemobrás processar, em assistência aos hemofílicos. Poderia faltar sangue na ponta, como quando você entra na emergência do hospital”, acrescenta.   

Ainda durante a entrevista, Nísia Trindade não descartou a possibilidade da pasta tomar medidas contra os responsáveis por impulsionar publicidade nos últimos dias na internet que, ao defender a aprovação da PEC do Plasma pelo Congresso Nacional, tem propagado desinformação e dados distorcidos. “O Ministério da Saúde não faz nada, em relação a fake news sozinho, tudo o que se refere a fakes News é analisado em uma comissão de governo. E se houver, realmente, alguma coisa que seja ilegal, mentirosa, caluniosa, isso efetivamente [será analisado]”.  

Hemobrás é alvo 

A artilharia maior tem sido contra a Empresa Brasileira de Hemoderivados e Biotecnologia (Hemobrás), que detém o monopólio da produção de hemoderivados no país. 

A comercialização de sangue e plasma no Brasil é proibida. Conforme a lei, hospitais privados que tiverem o material sobrando, ao invés de fazer o descarte deveria transferir o restante para Goiana, no estado de Pernambuco, onde fica a sede da Hemobrás. Porém, isso não ocorre na prática porque muitos hospitais não detém recursos e as tecnologias necessárias para preservar e bancar a ‘viagem’ do plasma.  

Uma fonte do Ministério da Fazenda contou à reportagem que um dos anúncios que estão circulando na internet dá a entender que o descarte do plasma no Brasil ocorre no Sistema Único de Saúde (SUS), o que não é verdade, uma vez que a Hemobrás aproveita todo o material que recebe.  

Atualmente, 30% dos hemoderivados ofertados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) são resultado do fracionamento do plasma doado no país e a previsão é que, a partir de 2025, com a conclusão da sua planta, a Hemobrás passe a produzir e processar 80%. É o que explica o secretário Carlos Gadelha. 

“Hoje, a Hemobrás é muito aberta à parceria com o setor privado. Portanto, pode-se estabelecer parcerias público-privadas, mas sem que o sangue vire mercadoria e possa ser, inclusive, exportado em detrimento da saúde da nossa própria população”, diz o secretário, reforçando que a cultura de doação de sangue, já consolidada no país, poderia ser prejudicada com uma orientação comercial em desfavor do ato altruísta”. 

Pela aprovação da PEC 

A entidade privada Associação Brasileira de Bancos de Sangue (ABBS) é favorável ao texto que pode mudar a Constituição Federal. Na última sexta-feira (29) colocaram no ar o portal pecdoplasma.com.br e impulsionaram vários anúncios na internet.    

 

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