BRASÍLIA - A nova presidente do Superior Tribunal Federal, Maria Elizabeth Rocha, defendeu nesta quarta-feira (12) uma nova interpretação da Lei da Anistia aplicada a crimes continuados cometidos na ditadura. O Supremo Tribunal Federal (STF) analisa se a anistia se aplica aos crimes de sequestro e cárcere privado cometidos durante o regime em vigor entre 1964 e 1985, com repercussão geral.
"Eu já tenho uma posição firmada já de muitos anos, antes mesmo do Supremo se pronunciar sobre a recepção, sobre a validade jurídica da norma da lei de anistia", afirmou, em entrevista coletiva, após a cerimônia de sua posse.
"Eu sempre entendi que ela não teria sido recepcionada pela nova Carta de 88. Mas o Supremo entendeu que não, que ela era válida, que era constitucional. E agora cabe ao Supremo decidir a sua própria jurisprudência, porque foi o Supremo que bateu martelo firmando a constitucionalidade", disse.
Na avaliação dela, a decisão do STF é importante para as famílias e para o Estado Democrático.
"Agora deu repercussão geral para a questão da lei de anistia aos desaparecidos políticos. Mas existem outras questões que estão envolvidas, como, por exemplo, a tortura. Vamos ver como o Supremo vai se pronunciar, porque de minha parte, eu não tenho o que fazer. Agora é uma decisão realmente que caberá à alta corte do país e que nós esperemos que seja a decisão definitiva".
"Porque essa insegurança jurídica de idas e vidas também não é bom para o estado democrático, não é bom para as famílias dos desaparecidos, para as famílias daqueles que foram torturados. Todos nós queremos de alguma maneira encerrar esse capítulo da história, mas vai caber ao Supremo dar a penada final. Se for reconhecido que a ocultação de cadáver então de fato é um crime continuado não cabe na lei da anistia", destacou.
Entenda os processos em análise no STF
São três os processos que motivam o debate no Tribunal. Dois deles são recursos extraordinários com agravo (ARE) que tratam do desaparecimento forçado do ex-deputado Rubens Paiva e do jornalista Mário Alves, cujos corpos nunca foram encontrados. O outro é um ARE que diz respeito ao assassinato do militante Helber Goulart, da Ação Libertadora Nacional (ANL).
Nos três casos, o Ministério Público Federal (MPF) questiona decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que entenderam que os crimes estavam abrangidos pela Lei da Anistia e encerraram as ações penais contra os acusados.
O STF decidiu discutir se a Lei da Anistia abrange crimes permanentes que até hoje estejam sem solução, como os de ocultação de cadáver. Ao reconhecer a repercussão geral desses três novos casos, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, a Corte amplia o debate para crimes com “grave violação de direitos humanos”, conforme proposta do MPF.
Para o órgão, sequestro e cárcere privado também têm natureza permanente e não devem ser atingidos pela Lei da Anistia. A tese a ser fixada pelo STF no julgamento do mérito deverá ser seguida pelas demais instâncias do Judiciário.
Os "crimes permanentes" são aqueles cujos efeitos se prolongam no tempo, como o sequestro e a ocultação de cadáver, cujas consequências continuam a se estender por dias, meses ou até anos. A decisão do Supremo impactará o julgamento de processos semelhantes em instâncias inferiores em todo o país.
A Lei da Anistia, de 1979, perdoou os crimes políticos e conexos cometidos apenas entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Em 2010, o STF validou a norma com base na Constituição de 1988.