BRASÍLIA – Jornalistas, parlamentares, ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ex-aliados do governo e até investigadores do caso Marielle Franco foram espionados ilegalmente por uma estrutura clandestina dentro da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), revelada pela Polícia Federal em relatório tornado público nessa quarta-feira (18). 

O documento, que teve sigilo retirado por ordem do ministro Alexandre de Moraes, aponta que a chamada "Abin paralela" agiu sob comando de aliados diretos do ex-presidente Jair Bolsonaro, com o objetivo de monitorar e neutralizar adversários políticos.

Segundo a PF, o então diretor da Abin e atual deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ) coordenou pessoalmente o uso do software israelense “First Mile”, utilizado para rastrear a localização de celulares sem autorização judicial. 

Entre os alvos estiveram os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso, os deputados Kim Kataguiri e Arthur Lira, os senadores Renan Calheiros, Randolfe Rodrigues e Omar Aziz, além de ex-aliados do governo como Rodrigo Maia e Joice Hasselmann, que foram alvos de dossiês com ordens expressas para "caçar podres".

Quem criticava Bolsonaro também era espionado

A espionagem política se estendeu a jornalistas críticos do governo. Foram monitorados nomes como Vera Magalhães, Reinaldo Azevedo, Luiza Bandeira, Alice Maciel e Pedro Batista – este último, por ser um dos organizadores do ato “Fora Bolsonaro”. O relatório aponta que esses profissionais foram alvo por suas reportagens e posicionamentos contrários ao governo federal. 

A jornalista Luiza Bandeira, por exemplo, foi espionada por sua atuação em investigações sobre a estrutura de desinformação do bolsonarismo. Já Vera Magalhães foi alvo de ataques de Bolsonaro aliados por suas críticas diretas ao ex-presidente. 

Grupo de Bolsonaro se preocupava em ser associado à morte de Marielle

A rede clandestina também invadiu o campo da Justiça criminal. Durante as investigações sobre o assassinato de Marielle Franco, a Abin paralela produziu dossiês sobre o delegado Daniel Rosa, que assumiu o caso em 2020, e sobre a promotora Simone Sibilio, ex-coordenadora do grupo do Ministério Público do Rio que investigava o crime. Segundo a PF, o objetivo era se antecipar a qualquer indício que vinculasse o núcleo político do governo ao assassinato.

O ex-deputado Jean Wyllys e o humorista Gregório Duvivier também foram espionados. Em mensagens internas da Abin, agentes afirmam que Wyllys “trocava de chip com frequência”, dificultando o rastreio, e relataram tentativas de localizar o ex-deputado nos Estados Unidos – o que acabou frustrado, pois o contrato do software proibia uso em território norte-americano. Sem sucesso, os agentes passaram a monitorar familiares do ex-parlamentar.

Já Duvivier foi vigiado por críticas ao governo em seu programa, com mensagens internas revelando o desejo de constrangê-lo judicialmente.

Passos de Jair Renan, o "04", também foram monitorados

Até aliados e familiares de Bolsonaro foram espionados para proteção política. A Abin atuou para interferir em investigações da Polícia Federal envolvendo Jair Renan Bolsonaro, o “filho 04”, e seu ex-sócio Allan Gustavo Lucena do Norte.

Este último chegou a ser seguido por agentes da Abin em uma ação que chamou a atenção da Polícia Militar do Distrito Federal. Um agente foi detido, mas conseguiu fugir antes de ser levado à delegacia. A ação foi considerada um fracasso, e o relatório produzido foi classificado como "pobre de conteúdo".

O relatório da PF, que indiciou 36 pessoas, incluindo Ramagem e o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), conclui que o uso da estrutura da Abin foi deliberadamente direcionado para fins políticos e pessoais. “O pedido de monitoramento dessas autoridades partiu da Presidência da República e comprova o viés precipuamente político da ação clandestina”, diz o inquérito.