BRASÍLIA – Investigação da Polícia Federal (PF) aponta que a chamada “Abin paralela” foi usada até para monitorar um candidato a presidente do Vasco Gama, clube de futebol do Rio de Janeiro. O objetivo era “caçar podre” dele.

O alvo era Jorge Nuno Odone de Vicente da Silva Salgado, conhecido como Jorge Salgado, que foi candidato à presidência do Vasco em 2020. Ele foi eleito nove dias depois de ser alvo do monitoramento e cumpriu mandato de três anos, até janeiro do ano passado. Foi substituído pelo ex-jogador Pedrinho, o presidente atual.

A informação sobre a espionagem consta no relatório final da PF da “Abin paralela”, divulgado nesta quarta-feira (18). Investigação apurou  instrumentalização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) com intuito de beneficiar o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e o seu governo.

No caso de Jorge Salgado, a PF recuperou mensagens trocadas por Whatsapp, iniciada em 11 de maio de 2020 com o envio do link de uma reportagem com o título “Veja quem é Jorge Salgado, possível candidato à presidência do Vasco”.

“Irmão. Bom dia. Tudo bem? Me ajuda com essa demanda pp (sic)”, disse o investigado. “Bom dia!!! Lá vem o Vascaíno. Kkkkk. Qual é a bronca???”, respondeu o interlocutor. “Caçar podre desse maluco aí”, respondeu o autor do pedido, o que deu origem a uma investigação clandestina.

O pedido para “caçar podre” de candidato à presidência do Vasco da consta em um quadro-resumo de ações identificadas pela PF. O pedido foi feito ao militar Giancarlo Gomes Rodrigues, que estava cedido à Abin. 

Quase dez horas depois, Giancarlo trouxe o resultado do seu levantamento: “Vasculhei bastante e não achei muita coisa nao…”. Giancarlo foi um dos 36 indiciados pela PF no inquérito da “Abin paralela”.

PF diz que Bolsonaro era 'principal destinatário' de ações da 'Abin paralela'

O relatório final foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), onde o caso está sob relatoria do ministro Alexandre de Moraes. Nesta quarta, o ministro retirou o sigilo dos autos da investigação. Segundo a Corte, a decisão foi tomada após a constatação de vazamentos seletivos de trechos do relatório policial.

A investigação da PF gira em torno da utilização da Abin para o monitoramento de opositores e adversários políticos de Jair Bolsonaro entre 2019 e 2021, sob a gestão do então diretor do órgão, Alexandre Ramagem, hoje deputado federal.

A PF diz que Jair Bolsonaro era o principal beneficiário das ações realizadas pela “Abin paralela”. De acordo com o relatório divulgado nesta quarta, o ex-presidente era integrante do “núcleo político” da organização, ao lado de seu filho Carlos Bolsonaro (PL), vereador do Rio de Janeiro.

A PF concluiu que o vereador Carlos Bolsonaro idealizou a suposta estrutura clandestina de inteligência no governo anterior, “exercendo papel de comando na estratégia de desinformação e na articulação de estruturas clandestinas”.

“Carlos Bolsonaro teria idealizado a criação de uma estrutura paralela de inteligência por não confiar nas instituições oficiais”, diz trecho do documento. Ele era o “destinatário final dos produtos das ações clandestinas e principal beneficiário das ações delituosas”.

Mensagens acessadas pelos investigadores mostram, por exemplo, que uma assessora de Carlos Bolsonaro pediu ajuda ao então chefe da Abin, Alexandre Ramagem em inquéritos “envolvendo PR e 3 filhos”.

A PF indiciou Carlos Bolsonaro e Alexandre Ramagem no inquérito que investiga o suposto uso ilegal de ferramentas na Abin para investigar autoridades. 

A estrutura montada incluiu a compra de um sistema espião pela agência para monitorar a localização de alvos pré-determinados em todo o país. 

De acordo com o relatório da PF, mesmo trabalhando na Presidência da República, os funcionários públicos integrantes da “Abin paralela” ainda estavam vinculados a Carlos Bolsonaro. 

O documento diz também que esses servidores atuavam de forma alinhada aos interesses do vereador, mesmo fora da estrutura da Presidência.

“Do exposto, as evidências constantes nos autos, indicam a integração dolosa e consciente de CARLOS BOLSONARO na ORCRIM, atuando na guerra informacional, na articulação de estruturas paralelas de inteligência e produção de campanhas de desinformação”, diz a PF.

Na tarde de terça-feira, Carlos Bolsonaro escreveu em sua rede social que o indiciamento seria uma ação ligada à movimentação para a eleição de 2026 e considerou não ser uma "coincidência".

“Alguém tinha alguma dúvida que a PF do Lula faria isso comigo? Justificativa? Creio que os senhores já sabem: eleições em 2026? Acho que não! É só coincidência!”, disse, no X.