BRASÍLIA – O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), seu filho Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o advogado norte-americano Martin de Luca, representante da Trump Media & Technology Group e da plataforma Rumble, trocaram mensagens para alinhar ataques sistemáticos ao Supremo Tribunal Federal (STF), tendo o ministro Alexandre de Moraes como alvo principal.
Em investigação sobre a atuação de Eduardo Bolsonaro nos EUA por sanções a autoridades brasileiras, a Polícia Federal (PF) recuperou mensagens de Jair Bolsonaro a Martin de Luca, que representa a empresa Rumble e a Trump Media & Technology Group – do presidente norte-americano Donald Trump – em um processo na Justiça dos EUA contra Alexandre de Moraes.
Em relatório que culminou no indiciamento de Jair e Eduardo, na quarta-feira (20/8), há uma troca de mensagens de áudio em que Jair Bolsonaro pede orientação a Martin de Luca para elaborar uma mensagem, que seria divulgada em redes sociais, comentando as tarifas de Donald Trump a produtos brasileiros.
Bolsonaro deixa claro que deseja agradar Trump. “Martin, peço que você me oriente também (...) me desculpa aqui tá, minha modéstia, como proceder. Eu fiz uma nota, acho que eu te mandei. Tá certo? Com quatro pequenos parágrafos, boa, elogiando o Trump, falando que a questão de liberdade está muito acima da questão econômica”.
“A perseguição a meu nome também, coisa que me sinto muito... pô, fiquei muito feliz com o Trump, muita gratidão a ele. Me orienta uma nota pequena da tua parte, que eu possa fazer aqui, botar nas minhas mídias, pra chegar a vocês de volta aí. Obrigado aí. Valeu, Martin”, completou o ex-presidente.
No mesmo dia, Martin de Luca respondeu e reagiu positivamente. Ainda ofereceu acesso à mídia norte-americana. O advogado disse que mandaria a nota revisada ainda no mesmo dia e que o comunicado seria um resumo de como “melhorar a comunicação em relação ao tarifaço”.
A PF identificou ainda chamadas telefônicas entre Bolsonaro e De Luca. Em 15 de julho de 2025, ambos conversaram por quase nove minutos. O diálogo foi intercalado com o envio de links sobre possíveis reações de Moraes a sanções norte-americanas e sobre as alegações finais da Procuradoria-Geral da República na ação sobre a suposta trama golpista, em que Bolsonaro é réu.
Para os investigadores da PF, as mensagens revelam “relação de sujeição da comunicação do ex-presidente nas redes sociais ao prévio assentimento de plataformas e grupos externos”. Ele dizem ainda que Martin de Luca e Jair Bolsonaro visam “amplificar ataques direcionados” a Alexandre de Moraes.
Ainda segundo a PF, ambos teriam como objetivo atribuir “descrédito ao Poder Judiciário nacional com propósito único de deslegitimação das decisões judiciais que conflitem com interesses comuns entre o ex-presidente e a plataforma Rumble”.
Documentos apreendidos na sede do PL e casa de Bolsonaro
Jair Bolsonaro também recebia de Martin de Luca documentos e petições apresentados na Justiça dos EUA contra Moraes. Durante busca e apreensão na casa do ex-presidente, em 17 de julho, a PF encontrou cópias impressas e traduzidas desses documentos na mesa de trabalho de Bolsonaro.
Um dos documentos apreendidos é uma petição complementar apresentada no processo contra Moraes, que está em andamento. O ministro é acusado de censura, por causa de decisões contra a Rumble, que descumpriu ordens da Justiça brasileira para remover publicações de acusados de diferentes crimes, incluindo tentativa de golpe de Estado.
Já na sede do PL, onde Bolsonaro dava expediente na condição de presidente de honra – até a prisão domiciliar decretada por Moraes, há duas semanas – a PF encontrou um documento com o título de “Privileged and Confidential Attorney Work Product Draft”, frase usada em documentos jurídicos norte-americanos que pode ser traduzida como “Privilegiado e Confidencial – Rascunho de Trabalho do Advogado”.
O documento contém uma série de perguntas, que parecem ser dirigidas a Jair Bolsonaro, como “Se você voltasse ao cargo, como abordaria as questões da reforma judicial e do equilíbrio de poder no Brasil” e “Se você não concorrer a um cargo em 2026, qual é a sua estratégia política? Você vai endossar um candidato?”.
No relatório do indiciamento de Jair e Eduardo, a PF diz que o documento retrata uma “entrevista levada a efeito por profissional jurídico no interesse de grupo/organização estrangeira, com a finalidade de coleta de dados e informações estratégicas sobre temas relacionados à soberania nacional”, e relaciona ele a conversas com Martin de Luca.
A PF também aponta a participação de Eduardo Bolsonaro na suposta rede coordenada para atacar Moraes e o Supremo. Em março de 2025, quando Eduardo Bolsonaro se mudou para os EUA dizendo que de lá só voltaria após o impeachment do ministro do STF, Martin de Luca compartilhou duas publicações do deputado brasileiro contra o magistrado.
Advogado criou conta no X para atacar Moraes
Martin de Luca é sócio do escritório Boies Schiller Flexner e especialista em litígios internacionais. A Rumble entrou com ação contra Moraes em 19 de fevereiro de 2025. No dia seguinte, o advogado criou uma conta no X. Em 25 de fevereiro, ele fez sua primeira publicação contra o ministro do STF, compartilhando conteúdo que sugeria transferência de ativos financeiros de Moraes nos Estados Unidos.
Para a PF, o diálogo entre os dois “demonstra que o ex-presidente atua de forma subordinada a interesses de agentes estrangeiros em alinhamento previamente condicionado ao atendimento de pretensões dissociadas ao interesse nacional, direcionadas a vulnerar a independência dos poderes constituídos, especialmente o poder Judiciário, por meio de atos de coação ao seu órgão de cúpula, e a soberania nacional”.
Advogado confirma conversas com Bolsonaro
Após saber do indiciamento de Jair e Eduardo Bolsonaro, com citações a troca de mensagens com ele, Martin de Luca publicou um comunicado nas redes sociais. Ele confirmou os conteúdos, mas alegou se tratarem apenas de “orientações”.
Confira abaixo a íntegra da nota:
“Esta noite, entrei para um clube exclusivo de americanos selecionados por enfrentar Alexandre de Moraes.
A tentativa da própria unidade da Polícia Federal de Moraes de retratar correspondência profissional de rotina como evidência de ‘subordinação estrangeira’ é a mais recente manobra desesperada para mantê-lo à tona.
Como advogado americano, costumo fornecer orientação jurídica e de comunicação. Esse é o meu trabalho. Oferecer feedback em uma breve nota pública ou transmitir um processo judicial público é algo totalmente comum. No entanto, essas ações rotineiras agora são distorcidas por teorias da conspiração.
Por essa lógica, qualquer líder político que consulte um advogado, redator de discursos ou estrategista deve estar conspirando para derrubar a democracia.
A mensagem é inequívoca. Qualquer um que ousar criticar ou expor a implacável campanha de censura de Moraes será alvo — seja você um advogado, um cidadão americano ou alguém que fale livremente em solo americano. Ou os três ao mesmo tempo.
A liberdade de expressão não é garantida pelos governos; é inerente a todos. Como Benjamin Franklin alertou: ‘Quem quiser destruir a liberdade de uma nação deve começar por subjugar a liberdade de expressão’.
Continuarei meu trabalho com transparência e profissionalismo, sem medo. A verdadeira responsabilização de Moraes não virá por meio de boletins de ocorrência, mas sim na Justiça americana, onde ainda o aguardamos.”