O ex-deputado federal Daniel Silveira buscou ajuda em embaixadas para se livrar das penas da justiça brasileira. Antes de condenações, mas já indiciado e réu, ele teve quatro pedidos de asilo diplomático recusados. Sem sucesso, acabou sentenciado e preso. Ele continua em penitenciária, mesmo após indulto concedido pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL).
Bolsonaro, no último Carnaval, passou dois dias na Embaixada da Hungria em Brasília, depois de ter o nome citado em investigação sobre suposto plano de golpe de Estado, o que resultou no confisco de seus passaportes por ordem do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Pouco antes de entrar na representação diplomática, ele convocou um ato em sua defesa na Avenida Paulista.
O ministro Alexandre de Moraes viu nos pedidos de asilo político de Daniel Silveira motivo para manutenção da prisão preventiva do ex-parlamentar em agosto de 2021. Para Moraes, ficou evidente que o ex-deputado pretendia deixar o Brasil para escapar de uma provável condenação. O ex-parlamentar acabou condenado a 8 anos e 9 meses de prisão pelos crimes de ameaça ao Estado Democrático de Direito e coação no curso do processo. Nesta segunda-feira (25), Moraes deu 48 horas para Bolsonaro explicar o motivo de ter passado dois dias na embaixada da Hungria.
A hospedagem de Bolsonaro na representação diplomática foi revelada pelo The New York Times, jornal norte-americano, em reportagem publicada na tarde desta segunda-feira (25). Após a revelação, Bolsonaro confirmou a visita e alegou que isso é corriqueiro e pretendia apenas “prestar informações precisas sobre o que acontece no Brasil” nos dois dias em que permaneceu na embaixada.
Alguns investigadores da PF, ministros do STF e adversários políticos veem a estadia de Bolsonaro na embaixada como manobra para evitar uma possível prisão. Outros enxergam como uma tentativa de o ex-presidente ser visto como vítima de perseguição, alguém que precisa de asilo por supostamente ser alvo de um regime autoritário, de uma justiça parcial, como propagam filhos, ex-ministros e outros aliados, além do próprio Bolsonaro.
Daniel Silveira também se colocou como vítima de perseguição do Judiciário. Com essa narrativa, ele buscou socorro em embaixadas após ser preso, em fevereiro de 2021, por ameaças aos ministros do STF, incitar a violência e defender atos antidemocráticos, como o fechamento da própria Corte e a decretação de um novo Ato Institucional 5 (AI-5) – o mais duro instrumento de repressão da ditadura militar (1964-1985).
Silveira foi solto em meados de março e autorizado a cumprir prisão domiciliar. Mas, no fim de junho de 2021, foi preso novamente por violar o monitoramento eletrônico ao qual estava submetido. Seus advogados logo entraram com um pedido de revogação da medida. Nesse ínterim, segundo reportagem do portal Metrópoles, ele pediu asilo político em países europeus e em uma representação de um país asiático – advogados não revelaram os nomes das nações.
Segundo os defensores de Silveira, as recusas ocorreram devido ao fato de os países não serem signatários da Carta de Caracas, o que inviabiliza a concessão de asilo. Mas, assim como Bolsonaro na embaixada da Hungria, os pedidos de asilo de Silveira só foram confirmados pelos advogados após reportagem.
Depois da publicação de Guilherme Amado no Metrópoles, Alexandre de Moraes intimou a defesa de Silveira para que se explicasse em um prazo de 48 horas – assim como o ministro do Supremo fez com Bolsonaro nesta segunda-feira.
“Diante da manutenção das circunstâncias fáticas que resultaram no restabelecimento prisão, somadas à tentativa de obtenção de asilo político para evadir-se da aplicação da lei penal, a manutenção da restrição de liberdade é a medida que se impõe para garantia da ordem pública e aplicação da lei penal”, escreveu Moraes na decisão.
Daniel Silveira recebeu 60 sanções quando era PM
Daniel Silveira foi policial militar no Estado do Rio de Janeiro. Ingressou na corporação por meio de ordem judicial, após ser reprovado acusado de fraudar o processo seletivo. Permaneceu na PM entre 2012 e 2018, período em que recebeu 60 sanções disciplinares. Ficou 26 dias preso e 54 detido, além de receber 14 repreensões e duas advertências, sendo considerado inadequado para o serviço policial militar, segundo boletim da polícia.
Já como ex-policial militar, Daniel Silveira foi eleito em 2018 para o seu primeiro mandato como deputado federal, após obter 31 mil votos no Rio de Janeiro. Ele, que era filiado ao PSL, mesmo partido de Bolsonaro, ganhou os holofotes ao ser filmado e fotografado, durante a campanha eleitoral, quebrando uma placa em homenagem à vereadora Marielle Franco (PSOL), assassinada em 2018. Também estava na cena o então candidato a governador Wilson Witzel, também eleito na esteira da ascensão do bolsonarismo, e cassado em seu primeiro mandato.
Assim que assumiu o cargo, assim como outros deputados e senadores bolsonaristas, e o próprio presidente, Daniel Silveira fez duras críticas ao Poder Judiciário, em especial o STF. O então deputado passou a ser investigado em inquéritos que apuram a realização de ataques ao Supremo e a disseminação de informações falsas, e ainda estão em andamento. A partir de então, Silveira foi preso e solto em diferentes momentos, ignorando medidas cautelares que lhe davam o direito a responder às ações em liberdade. Confira abaixo:
- Daniel Silveira foi preso em 16 de fevereiro de 2021, após publicar um vídeo com ameaças a ministros do STF. A Câmara manteve sua prisão – conforme previsto na Constituição, a prisão de um deputado precisa ser referendada no plenário da Câmara.
- Em 14 de março de 2021, a prisão preventiva foi substituída por prisão domiciliar com monitoramento eletrônico pelo ministro Alexandre de Moraes, relator da ação penal.
- Porém, em 24 de junho, Silveira foi preso novamente por motivo de repetidas violações ao monitoramento eletrônico, sendo a prisão revogada em novembro do mesmo ano.
- Em 29 de março de 2022, Silveira fez um discurso na Câmara, confrontou a decisão de Moraes que o obrigava a usar tornozeleira eletrônica e se recusou a colocar o equipamento.
- Moraes bloqueou as contas bancárias de Silveira e impôs multa diária de R$ 15 mil, além de instaurar mais um inquérito contra o deputado, desta vez por “desobediência”. Uma nova tornozeleira eletrônica foi instalada em Silveira em 31 de março de 2022.
Daniel Silveira descumpriu medidas cautelares 27 vezes
Daniel Silveira foi acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) de coação, incitação à animosidade entre as Forças Armadas e o Supremo e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União. Acabou condenado pelo STF, em abril de 2022, a 8 anos e 9 meses de prisão por estímulo a atos contra instituições democráticas e ataques aos ministros do tribunal e instituições.
Ele também foi condenado à perda do mandato, à suspensão dos direitos políticos e ao pagamento de multa de R$ 212 mil. No entanto, a prisão só ocorreria após o esgotamento dos recursos. Já a perda do mandato dependeria da Câmara dos Deputados, o que não foi feito antes do término da legislatura.
Um dia depois da condenação, na condição de presidente, Bolsonaro concedeu o perdão da pena. Bolsonaro deu a Silveira a chamada graça presidencial, que impede a aplicação da pena de prisão e o pagamento de multa, mas os efeitos secundários da condenação permaneceram: a inelegibilidade e a perda do mandato.
Nesse cenário, em 27 de abril, Daniel Silveira tomou posse como membro titular da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e foi eleito vice-presidente da Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado.
Até então, Daniel Silveira havia descumprido as medidas cautelares 27 vezes. Por isso, em 3 de maio, Alexandre de Moraes determinou o bloqueio de R$ 405 mil de contas ligadas a Daniel Silveira. O presidente da Câmara, Arthur Lira, foi notificado que 35% do salário de Silveira fosse destinado ao pagamento do valor. Em 20 de maio, Moraes determinou o bloqueio de todos os bens móveis e imóveis de Silveira, para garantir o pagamento das multas decorrentes do descumprimento das restrições.
STF anulou perdão de Bolsonaro a Silveira
Em maio de 2023, o STF derrubou o perdão da pena. Como o ex-deputado já estava preso, na prática a situação dele não mudou. Dos 11 ministros, só André Mendonça e Nunes Marques votaram contra – ambos indicados por Bolsonaro.
Com apoio de Bolsonaro, Daniel Silveira se candidatou ao Senado pelo Rio de Janeiro, em outubro de 2022. Ele recebeu 1,5 milhão de votos, mas não se elegeu – foi vencido pelo ex-atleta Romário. Com isso, ficou sem mandato e perdeu o foro privilegiado em 1º de fevereiro de 2023, quando os novos parlamentares tomaram posse.
Silveira foi preso por policiais federais no dia seguinte em Petrópolis (RJ), por causa do descumprimento de medidas cautelares também definidas pelo tribunal – como o uso de tornozeleira eletrônica e a proibição de usar redes sociais. No mesmo dia, a revista Veja publicou uma reportagem na qual o senador Marcos do Val expôs um suposto plano de Silveira junto a Bolsonaro de articular um golpe de Estado após a derrota do ex-presidente nas eleições de 2022
Na ordem de prisão, Alexandre de Moraes ressaltou que Daniel Silveira agiu com “completo desrespeito e deboche” diante de decisões judiciais do STF. O ministro também destacou que o ex-deputado danificou a tornozeleira eletrônica que tinha de usar e continuou com ataques ao STF e ao Tribunal Superior Eleitoral, “colocando em dúvida o sistema eletrônico de votação auditado por diversas organizações nacionais e internacionais”.