Em uma decisão que cita a luta do padre Júlio Lancellotti no combate à aversão a pessoas pobres, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes deu um prazo de 120 dias para que o governo federal apresente um plano de ação e monitoramento que atenda a população em situação de rua. 

Ao determinar que a União implemente políticas públicas voltadas a essa parcela da população, Moraes atende uma ação do Psol, da Rede Sustentabilidade e do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto. Juntos, os dois partidos e movimento apontaram uma série de omissões do poder público para garantir os direitos da população em situação de rua no Brasil.

A ação alega que há um estado de coisas inconstitucional e condições desumanas dessa parcela da população. Na decisão, Moraes cita o trabalho do padre Júlio Lancelotti no combate à rejeição e aversão a pessoas pobres, ao que se dá o nome de aporofobia. .

"É possível vislumbrar que a aporofobia também pode se concretizar em atos estatais diversos das construções hostis, como apreensões de meios de vida e material de trabalho, destruição de pertences e abordagens agressivas, atos estes muitas vezes praticados por agentes do Estado. Assim, o contato dessas pessoas com o Estado assume uma característica higienizadora e de criminalização", afirmou Alexandre de Moraes.

O estado de coisas inconstitucional surgiu a partir de decisões da Corte Constitucional Colombiana e foi reconhecido pela primeira vez no Supremo Tribunal Federal quando a Corte analisou a situação do sistema prisional. Ele é caracterizado por uma violação massiva, sistemática e generalizada de direitos fundamentais, com potencial para atingir um grande número de pessoas.

O ministro também ressaltou a necessidade de que a solução para este segmento da população seja feita de forma consensual e coletiva pelo Poder Público, incluindo estados, o Distrito Federal e municípios.

"A necessidade de construir uma solução consensual e coletiva torna necessário que a União formule o plano de ação e monitoramento para a efetiva implementação da Política Nacional para a População em Situação de Rua, com a participação, dentre outros órgãos, do Comitê intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da Política Nacional para População em Situação de Rua (CIAMP-Rua), do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH), da Defensoria Pública da União (DPU) e do Movimento Nacional da População em Situação de Rua", declarou.

O plano deve apresentar, por exemplo, um diagnóstico atual da população em situação de rua, com identificação do perfil e necessidades para auxiliar a formulação de políticas públicas, formulação de políticas para fomentar a saída da rua por meio de programas de emprego e de formação para o mercado de trabalho.

O documento deve incluir ainda o estabelecimento de meios de fiscalização de processos de despejo e de reintegração de posse no país, além do impacto no tamanho da população em situação de rua.

Os municípios terão 120 dias para a realização de diagnóstico minucioso da situação nos respectivos territórios, com a indicação do quantitativo de pessoas em situação de rua por área geográfica, quantidade e local das vagas de abrigo e de capacidade de fornecimento de alimentação.

Em relação aos municípios, estados e ao DF, o ministro determinou ainda que, dentro de suas competências, devem efetivar medidas que garantam a segurança pessoal e dos bens das pessoas em situação de rua dentro dos abrigos institucionais existentes; disponibilizem o apoio das vigilâncias sanitárias para garantir abrigo aos animais de pessoas em situação de rua; e proíbam o recolhimento forçado de bens e pertences, assim como a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua. 

Também devem ser previstos mutirões da cidadania periódicos para a regularização de documentação, inscrição em cadastros governamentais e inclusão em políticas públicas existentes.