Investigação

MP denuncia primo de Ronaldo Caiado por assassinato de ex-aliado do governador

Primo de Caiado é apontado como incentivador da execução, que resultou em outros 7 assassinatos para esconder provas. Ex-assessor do governador é tido como mentor do plano criminoso

Por Renato Alves
Publicado em 20 de março de 2024 | 09:39
 
 
 
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Jorge Caiado, primo do governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), foi denunciado nesta terça-feira (19) à Justiça pelo Ministério Público pelo assassinato do empresário Fábio Alves Escobar Cavalcante, em 2021, que resultou nas execuções de outras sete pessoas para esconder evidências da morte dele – entre eles, uma mulher grávida de 7 meses. Doze policiais militares goianos são acusados de envolvimento nos crimes. 

O plano que acabou em assassinatos em série, de acordo com investigação do MP de Goiás, foram as denúncias feitas por Fábio Escobar contra Carlos César Savastano de Toledo, conhecido como Cacai, ex-integrante do governo de Goiás na gestão de Ronaldo Caiado. Com mandado de prisão contra ele por causa da morte de Escobar, Cacai está foragido desde novembro, quando houve uma operação para prender suspeitos de participação no homicídio. Em dezembro, ele foi denunciado à Justiça pelo homicídio. A Justiça acatou.

Então presidente do partido Democratas (atual União Brasil) de Anápolis – distante 55km de Goiânia, é a mais rica e terceira mais populosa cidade de Goiás –, Cacai coordenou a vitoriosa campanha política do então senador Ronaldo Caiado em 2018 e, com o início do mandato, ganhou o cargo de diretor administrativo da Companhia de Desenvolvimento Econômico de Goiás (Codego). Em 2020, foi preso por suspeita de fraudes em licitações na estatal e perdeu o cargo.

Escobar trabalhou ao lado de Cacai na campanha que elegeu Ronaldo Caiado em 2018 – reeleito em 2022, Caiado é um dos nomes cotados para concorrer à Presidência da República em 2026, como opção da direita na ausência de Jair Bolsonaro (PL), tornado inelegível.

Mas Cacai e Escobar viraram inimigos. O empresário, que viria a ser assassinado, também passou a criticar a gestão de Ronaldo Caiado, por meio das redes sociais. “Caiado despreza as pessoas sem estudo. Nem todo mundo é filho de fazendeiro e tem oportunidade de fazer faculdade de medicina”, disse em uma das suas publicações. Caiado é formado em medicina e integra uma tradicional família de fazendeiros de Goiás. 

Contra Cacai, Escobar foi mais longe. Também pelas redes sociais, passou a denunciar o coordenador da campanha de Caiado em Anápolis por supostos desvios de dinheiro. Em vídeo publicado na internet, Escobar mostrava o momento em que devolvia R$ 150 mil, que ele dizia ter recebido de Cacai como suborno para interromper as denúncias. 

“Eu recebi uma tentativa de suborno. Através de um intermediário, de um empresário, R$ 150 mil. E a pessoa que veio me entregar o dinheiro é mais ou menos assim, ou pega ou morre. Pois bem, logo que ele me entregou esse dinheiro eu fui lá no escritório desse empresário, devolvi os 150 mil [reais], gravei, esse vídeo vai para o amanhã e dia primeiro vou entregar para o promotor. E aí a Justiça vai mostrar quem que é o vilão e quem que é a vítima. […] Eu tenho Deus na minha vida, tenho dois filhos para criar, mas não vou ficar calado com medo de morrer, porque Deus sabe a hora de todo mundo”, afirmou Escobar.

Ex-assessor de Caiado é apontado como mentor de execução

O MP de Goiás denunciou Cacai como mentor da morte de Escobar. Já PMs respondem por essa execução e pelas outras 7, que serviriam para encobrir o assassinato de Escobar. Nesta terça-feira o  MP incluiu Jorge Caiado, que é assessor na Assembleia Legislativa de Goiás, como um dos denunciados, por ter “incentivado” e “prestado auxílio” na execução do plano que levou à morte de Escobar. 

Relatório final do MP sobre o caso traz uma troca de mensagens entre Escobar e o governador Ronaldo Caiado, por meio de Whatsapp. No diálogo, o empresário disse ao governador que iria apagar as denúncias contra Cacai de suas redes sociais porque temia por sua vida e de sua família. Ronaldo Caiado não é alvo da investigação que resultou no pedido de indiciamento do primo dele.

Escobar publicou um vídeo em rede social dizendo que havia tentado se encontrar pessoalmente com Caiado para detalhar a denúncia. “Eu só tenho uma questão aqui. Governador, o senhor não me recebeu, não quis me escutar, sabendo que eu fiz parte do projeto do DEM, seis anos, acreditando no seu governo. Governo esse que até agora não mostrou a que veio, independente de pandemia ou não”, afirmou o empresário.

Escobar tinha 38 anos quando foi morto em uma emboscada na noite de 23 de junho de 2021. Ele havia tomado um táxi para se encontrar com um homem chamado “Fernando” que havia entrado em contato com ele supostamente interessado em vender uma lavanderia no bairro Jamil Miguel, em Anápolis. Escobar, que trabalhava no ramo de lavanderias, contou ao taxista que queria vistoriar o imóvel. Mas o tal Fernando nunca apareceu. Assim que deixou o táxi, Escobar levou quatro tiros disparados por dois homens que saíram de um Fiat Uno com os rostos cobertos por balaclavas. O empresário ainda foi socorrido pelo taxista, mas morreu logo que chegou ao hospital.

MP diz que primo de Caiado usou de influência na Secretaria de Segurança

O MP de Goiás acusa Jorge Caiado de usar sua influência na Secretaria de Segurança do Goiás para ajudar no planejamento do assassinato. O jornal O Popular, de Goiânia, publicou trechos da decisão do MP.

“O denunciado Jorge Luiz Ramos Caiado, agindo livre e conscientemente, em comunhão de ações e desígnios com o executor do crime e com os demais denunciados, aderindo previamente à intenção homicida, concorreu de forma eficaz para o crime de homicídio contra a vítima Fábio Alves Escobar Cavalcante, eis que prestou apoio moral ao mentor Carlos César Savastano de Toledo, incentivando e reforçando os seus planos de matar a vítima”, diz a denúncia.

Conforme a denúncia do MP, Jorge Caiado apresentou Cacai ao policial militar Welton da Silva Veiga, apontado como chefe de um grupo de extermínio formado por PMs goianos. Veiga aceitou comandar o crime e cooptou os também policiais militares Thiago Marcelino Machado, Glauko Olívio de Oliveira e Érick Pereira da Silva para auxiliá-lo no assassinato de Escobar, ainda segundo o MP.

“Ressalte-se que se não fosse o traquejo de Jorge Caiado e influência com autoridades policiais, Carlos Toledo, por si só, não teria atingido seu desiderato criminoso”, frisam os promotores que assinam a denúncia do episódio que ficou conhecido como Caso Escobar.

Em dezembro, dois oficiais da PM de Goiás, contaram, em depoimento ao MP, que haviam sido procurados por Jorge Caiado com pedido para matar Fábio Escobar. Ambos garantiram ter rechaçado a proposta. Um deles havia sido chefe da Casa Militar na administração de Ronaldo Caiado.

Já os 12 policiais militares acusados de envolvimento nos assassinatos do Caso Escobar acabaram promovidos por "atos de bravura", com medalhas, por participaram de confrontos com supostos bandidos. No entanto, segundo o MP, tais confrontos foram execuções para queima de arquivo, com simulações que incluíram alterações das cenas dos crimes, com armas "plantadas".

Os advogados dos acusados não haviam se manifestado até a mais recente atualização desta reportagem, assim como a assessoria do Governo de Goiás.

Policiais encontraram provas dos crimes em celular de ex-assessor de Caiado

Cacai foi preso em 2020 na Operação Negociatas, por suspeita de fraude na Codego, em que ele comandava na gestão de Ronaldo Caiado. Na ocasião, policiais apreenderam o celular dele. Peritos recuperaram mensagens com pedidos para policiais “perseguirem, grampearem e espancarem” Fábio Escobar.

Promotores de Justiça que cuidaram do caso dizem que tudo foi meticulosamente pensado para dificultar a investigação. Cacai e Jorge Caiado não são citados como envolvidos na morte das outras sete pessoas, assassinadas para esconder provas. Em muitos casos, PMs simularam confrontos para justificar as mortes das vítimas, que teriam testemunhado a execução de Escobar ou tinham informações sobre o caso. 

Além de Escobar, também foram assassinados: Bruna Vitória Rabelo, Gabriel Santos Vital, Gustavo Lage Santana, Mikael Garcia de Faria, Bruno Chendes, Edivaldo Alves da Luz Daniel Douglas de Oliveira.

Investigadores identificaram milhões em contas de PMs 

Durante a investigação da Polícia Civil sobre o Caso Escobar, agentes usaram a quebra de sigilo bancário e telefônico para corroborar as provas de envolvimento dos policiais militares denunciados. eles identificaram movimentações bancárias incompatíveis com os rendimentos da Polícia Militar.

O policial militar Marcos Jesus Rodrigues movimentou cerca de R$ 6 milhões em 4 anos. Já Almir Tomás de Aquino Moura, também PM, movimentou R$ 5,8 milhões. As informações constam no relatório final do MP de Goiás que resultou na denúncia à Justiça.

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