BRASÍLIA - A defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) apresentou nesta quarta-feira (13/8) ao Supremo Tribunal Federal (STF) as alegações finais no âmbito do inquérito do golpe. Ele é réu pelos crimes de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, associação criminosa armada, dano qualificado e deterioração do patrimônio público.

Com a entrega das alegações, caberá ao relator, ministro Alexandre de Moraes, entregar o relatório sobre a ação e liberá-la para julgamento. A avaliação geral é que a ação será concluída em setembro.

O corpo de advogados arrolados por Bolsonaro para defendê-lo com tutela de Paulo da Cunha Bueno e Celso Vilardi é enfático ao pedir a absolvição dele por ausência de provas e anulação da colaboração premiada firmada entre o delator Mauro Cid e a Procuradoria-Geral da República (PGR). A argumentação é que o próprio órgão detectou omissões, falhas e ambiguidades nas declarações prestadas pelo delator, "que impedem que suas declarações sejam confiáveis e usadas como provas", conforme sustentam os defensores.

No documento com 197 páginas, Vilardi e Bueno atacam a condução do processo e recorrem a avaliações de professores titulares da Universidade de São Paulo (USP), onde Moraes também é professor, e da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Os advogados argumentam que Bolsonaro não pôde ter acesso à ampla defesa e classificam o processo como "tão histórico quanto inusitado".

"Os réus são tratados como golpistas, como culpados, muito antes de a defesa ser apresentada. Uma parte expressiva do país, a maioria da imprensa não quer um julgamento, quer apenas conhecer a quantidade de pena a ser imposta", escrevem. "Neste ambiente de massacre, a defesa, pesa dizer, não teve a amplitude de defesa garantida. Em reiteradas oportunidades foi afirmado e reafirmado que a prova que importa é a eleita pela acusação, o que é um sinal para o julgamento que se aproxima", prosseguem.

A defesa completa: "sinal dos tempos". A delação assinada por Mauro Cid é tratada como "inusitada", e a defesa vê uma série de ambiguidades constatadas no correr da ação penal. Os advogados também rejeitam a existência de provas contra Bolsonaro. "A acusação alternativa tem um propósito específico: conseguir a condenação, apesar das provas. Misturam-se os eventos, presume-se a responsabilidade do ex-presidente da República e consagra-se a narrativa de que ele é o responsável pelo ato final de 8 de janeiro", afirmam.

A Polícia Federal (PF) ainda é taxada como "parcial". A avaliação da defesa é que Bolsonaro atuou para garantir a transição para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). "[Ele] evitou o caos com os caminhoneiros e atestou aos seus eleitores que o mundo não acabaria em 31 de dezembro, que o povo perceberia que o novo governo não faria bem ao país", continuam os defensores apenas na introdução das alegações.

Julgamento

Com a entrega das alegações finais, caberá ao ministro Alexandre de Moraes a elaboração de um relatório que conterá informações sobre o andamento da ação, as provas coletadas e as alegações de acusação e defesa. A etapa seguinte é a liberação do processo para julgamento, e caberá ao relator e ao presidente da Primeira Turma, ministro Cristiano Zanin, marcar a data de início.

O julgamento começa com a leitura do voto do relator. Nele, Moraes manifestará seu entendimento sobre o processo e indicará absolvição ou condenação. Nesta segunda opção, o ministro ainda define a dosimetria da pena, ou seja, por quais crimes o réu deverá responder na sentença e qual será sua pena. Se condenado pelos crimes que lhe são atribuídos, Bolsonaro poderá ser condenado a mais de 30 anos de prisão.

Depois do voto do relator, os outros quatro ministros que compõem a Corte votarão. São eles: Cármen Lúcia, Cristiano Zanin, Flávio Dino e Luiz Fux.

Inquérito do golpe 

Bolsonaro integra o chamado "núcleo crucial" da trama, ao lado de aliados de seu governo. Entre eles, os ex-ministros Walter Braga Netto (Defesa e Casa Civil), Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional), Anderson Torres (Justiça) e Paulo Sérgio Nogueira (Defesa). 

Estão nessa lista de réus, ainda, o ex-comandante da Marinha Almir Garnier Santos e o ex-diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) Alexandre Ramagem, que hoje é deputado federal. Por último, o tenente-coronel Mauro Cid, que foi ajudante de ordens de Bolsonaro e firmou acordo de delação premiada com a Justiça.

Entenda a investigação

A PGR partiu do inquérito da PF para denunciar ao STF 34 investigados por golpe de Estado. O procurador Paulo Gonet Branco fatiou a denúncia em quatro núcleos de atuação, concentrando no primeiro grupo aqueles com papel primordial na tentativa de ruptura institucional. O principal nome, segundo a PGR, é Jair Bolsonaro.

A denúncia chegou às mãos de Moraes em fevereiro, e a Primeira Turma tornou réus, em maio, 31 dos investigados. Todos respondem por cinco crimes (com exceção de Ramagem, por ocupar mandato de deputado):

  • Abolição violenta do Estado de Direito;
  • Dano qualificado ao patrimônio público;
  • Deterioração de patrimônio tombado;
  • Golpe de Estado;
  • Organização criminosa;

A investigação começou após as invasões e depredações ocorridas no 8 de janeiro. A PF identificou a existência de um plano articulado para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e garantir a permanência de Bolsonaro no cargo.

Pela apuração da PF, diferentes atores agiam em múltiplas frentes para fragilizar as instituições e criar um ambiente para um golpe de Estado. Alimentar a descrença nas urnas eletrônicas e pôr em xeque a segurança das eleições constava entre as estratégias do grupo golpista, conforme a PF.

Ministros do então presidente, entre eles Anderson Torres e Augusto Heleno, se reuniram para orientar a propagação de mentiras sobre fraudes nas eleições.

Um documento coletado no âmbito das investigações indica que o Partido Liberal (PL), de Valdemar Costa Neto, buscou um instituto para invalidar eleições. Militares também agiram para facilitar o golpe, segundo a PF. A publicação de uma carta de oficiais dirigida ao comandante do Exército, à época Marco Antônio Freire Gomes, para pressioná-lo a aderir à intentona golpista era uma das estratégias. 

Houve, ainda, uma série de reuniões no Palácio da Alvorada para elaboração do golpe. Uma minuta golpista que previa a ruptura institucional foi discutida em um dos encontros. De acordo com a PF, Bolsonaro tinha conhecimento de todas as frentes de atuação e orientava algumas delas.