Uma cena cotidiana. Um trecho de livro. Uma música. Passagens e insights diversos inspiram as canções de Gustavo Monteiro, que lança seu novo álbum nesta terça (19), e, no domingo (24), apresenta “Retribuição” ao público em um espetáculo repleto de participações especiais no Teatro Marília, em Belo Horizonte.
Pode parecer meio clichê, mas o fato é que suas composições percorrem inevitavelmente os caminhos traçados anteriormente. “Geralmente uma ideia de melodia e rudimentos da letra e do tema vêm juntos. Daí, quando não desenvolvo sozinho, procuro enviar para o parceiro que melhor se adéqua à linha surgida, para irmos trabalhando em conjunto”, compartilha.
No caso da lavra mais recente, o incentivo para compor partiu “da gratificante experiência dos trabalhos autorais” que a precederam. “Retribuição” é o terceiro álbum de estúdio de Monteiro, que possui duas décadas de uma carreira dedicada ao samba, em que tocou com gente da estirpe de Dona Ivone Lara, Wilson das Neves, Nei Lopes e Toninho Geraes a bordo de seu indefectível violão de 7 cordas, afora bambas da cena local como Giselle Couto, Fernando Bento, Zé da Guiomar e Warley Henrique, integrando os grupos Piolho de Cobra, Figa de Guiné, Isto É Nosso e Trio Caviúna. A estreia do instrumentista como intérprete aconteceu com “Gênesis” (2021) e seguiu com o EP “Parcerias” (2024).
Agora, ele traz à baila doze faixas “surgidas ou aperfeiçoadas” nos últimos cinco anos, em que aborda as relações humanas, as vicissitudes dos jogos de amor e a eterna boemia. O pianista Cristovão Bastos e o violonista João Camarero comparecem em “Carne Fraca” e “Assunto Encerrado”, Fernando Bento dá o ar da graça em “Fazendo as Malas”, Pedro Amorim, Marcelo Caldi e Artur Pádua surgem em “Pedra Noventa”, enquanto Aranha é o convidado ilustre de “O Vento e o Tempo”. “Roubando a Cena” arremata o álbum com um bis de Caldi e Camarero. “Ver e ouvir esses músicos criando e emprestando o seu talento para o meu trabalho foi inesquecível”, agradece Monteiro.
Em “Invernou na Roça” o time de participantes conta com Zé Paulo Becker, Caldi, Dudu Oliveira e Everson Moraes. A faixa remonta a Monte Sião, terra natal do anfitrião, localizada no Sul de Minas, e tem “como pano de fundo uma história que marcou a tradição católica da maioria de seus habitantes, o ‘Milagre da Chuva’ atribuído a Nossa Senhora da Medalha Milagrosa, padroeira da cidade, que intercedeu para acabar com uma seca forte que se abateu sobre o município no final dos anos 20 do século passado”, conta Monteiro. A paisagem ilustra o delicado encarte do CD. “O álbum possui diversas ‘retribuições’. Ao samba, aos mestres, aos amigos, aos amores. Minhas origens não poderiam ficar de fora”, afiança o compositor.
Travessia
Na casa de Monteiro, a coleção de LPs do pai, que contemplava música clássica, choro, coletâneas de MPB e samba-enredo, foi a porta de entrada para “um universo encantador e mágico”. Certo dia, ele se deparou com o samba “Sufoco”, de Chico da Silva e Antônio José, lançado por Alcione em 1978. Mas o que fascinou o garoto foi sobretudo o violão de sete cordas de Dino, mestre no instrumento. A partir de então, “a riqueza da simplicidade” do samba tomou definitivamente parte em sua vida, ante a “possibilidade de conjugar poesia e melodias belíssimas sob um ritmo fascinante, meio milagroso, sem ter que cair para o excesso de rebuscamento e fugir da naturalidade e espontaneidade”.
Monteiro enaltece a “genuína combinação de instrumentos do gênero, com cavaco, violões, peso, molho e balanço da percussão”, o que para ele “é um lance absurdo, inexplicável”. “É esse leque que faz com que o samba possa ser sempre bom, seja com uma roupagem mais tradicional, digamos assim, seja com uma cara mais moderna. Navegar nesse mar é tranquilo quando o timoneiro pode ser tanto Cartola e Noel Rosa, passando por Paulinho da Viola, Dona Ivone Lara e João Nogueira, como Arlindo Cruz”, exalta. Tudo isso o levou a uma experiência única: tocar ao lado de Mozart Secundino, ícone do violão mineiro que faleceu em 2015, aos 92 anos, pouco tempo após registrar sua participação na faixa “Minas ao Luar” para o álbum “Waldir Silva em Letra & Música”, lançado em 2016.
“Tocar ao lado do saudoso Mozart foi fundamental para mim. Além da amizade construída, ele me fez aprender a tocar em dupla de violões e a reforçar o respeito pela música no seu conjunto, e não nas individualidades”, recorda Monteiro. Outro ídolo importante e farol que segue guiando seus caminhos é o violonista Raphael Rabello (1962-1995), que ele define como “gênio”. “Espetacular tanto na sua fase inicial de ‘sucessor’ de Dino 7 cordas quanto no estilo próprio de solista e acompanhador que ele acabou desenvolvendo, com seu virtuosismo a favor da música, sempre”, diz. Com tanta história, Monteiro mira o futuro com entusiasmo.
“Desde a gravação de ‘Gênesis’, em 2021, a minha principal motivação artística tem sido projetar a gravação de novos trabalhos autorais e correr atrás de espaços e ocasiões em que esse meu trabalho e o de outros compositores possa ser apresentado em boas condições, buscando incentivar a criação e fidelização de um público interessado em obras novas. Assim, humilde e modestamente, poderemos contribuir para que a roda do samba continue girando para frente. Entendo que agir assim é a melhor forma de retribuir a tudo de bom que a história do samba nos deu”, finaliza.
Serviço
O quê. Show de lançamento de “Retribuição”, de Gustavo Monteiro
Quando. Neste domingo (24), às 19h
Onde. Teatro Marília (av. Professor Alfredo Balena, 586, Santa Efigênia)
Quanto. A partir de R$22,50 pela plataforma www.sympla.com.br ou na bilheteria