Em uma tentativa de evitar que a Prefeitura de Belo Horizonte construa moradias populares em áreas de mata no bairro Castelo, na região da Pampulha, um grupo de moradores decidiu plantar nos terrenos dezenas de mudas de árvores que são protegidas pela legislação ambiental e que, portanto, não podem ser arrancadas depois de seis meses do plantio. Cultivadas desde o início de junho deste ano, as espécies escolhidas foram pequi, palmeira-imperial e ipê-amarelo.

Para justificar o ato, os moradores argumentam que a construção de novas moradias eliminaria uma das poucas áreas verdes do bairro, além de adensar uma região que já carece de diversos serviços. 

No início de novembro, após uma série de reuniões do prefeito Fuad Noman (PSD) em Brasília, o Ministério das Cidades destinou cerca de R$ 85 milhões para construção de 500 casas populares em Belo Horizonte pelo programa Minha Casa Minha Vida. Deste total, 100 estão planejadas para serem construídas na Rua Castelo da Beira com Rua Castelo Elvas, área que foi alvo de disputa entre a Prefeitura e um grupo de moradores do bairro, apoiados por vereadores da oposição.

Procurados pelos moradores, os vereadores Cleiton Xavier (MDB), Jorge Santos (Republicanos) e Sérgio Fernando Pinho Tavares (MDB) apresentaram projetos de lei que pretendiam transformar os três lotes em áreas verdes protegidas, o que impediria a construção das moradias populares, mas os projetos foram retirados de pauta após articulação da base do prefeito, ainda em maio de 2024. Com isso, a prefeitura encontrou o caminho aberto para continuar as negociações em Brasília e conseguir os recursos para o Minha Casa Minha Vida, mas o grupo de moradores não desistiu de impedir a empreitada.

Na mesma época, os moradores gastaram cerca de R$ 14 mil em mudas de árvores protegidas pela legislação ambiental que foram plantadas nos três lotes. O próximo passo será colocar bancos e mesas nas áreas, que eles pleiteiam que sejam transformadas em parques para a população. “Já fizemos plantio e registro de espécies de árvores que não podem ser arrancadas depois de 6 meses, que vai completar agora no início de dezembro. Estamos cuidando dessas mudas desde então. E vamos continuar com nosso projeto para transformar essas áreas verdes em praças, estamos dispostos a entrar em frente até de trator se for preciso. Agora a gente vai colocar bancos e conjuntos de mesas em todas as áreas. Nós estamos tomando posse do que é nosso”, contou Mary Camargos, moradora do bairro há 22 anos e uma das líderes do movimento. A moradora argumenta, ainda, que o projeto da prefeitura infringiria regras do Governo Federal, já que a área carece de escola pública, posto de saúde e oferta de mobilidade.

Segundo a prefeitura de Belo Horizonte, não é possível estimar quando a construção das casas deve começar porque o contrato ainda não foi assinado e os recursos dependem da liberação da Caixa Econômica Federal. Além disso, a PBH afirmou que possui uma série de medidas de compensação para o bairro, como a construção de ilha de refúgio e rebaixos para pedestres na Avenida Altamiro Avelino Soares com Avenida Miguel Perrela e melhoria de diversas vias com implantação de novos retornos, abertura de canteiro central e reforma em rotatórias.

“Além disso, estão sendo feitos outros estudos de circulação para o Bairro Castelo, como a implantação de mudança de circulação de sentido em algumas vias, que serão debatidos em reunião específica com a comunidade”, concluiu a nota.

Liberação dos recursos é vista como vitória da Prefeitura


Após meses de disputa na Câmara Municipal, a liberação dos recursos para construção de moradias populares em um dos lotes da prefeitura no bairro Castelo é vista como uma vitória política do prefeito Fuad Noman. Alguns vereadores que foram oposições nesta última legislatura, entretanto, não pretendem desistir tão cedo. Cleiton Xavier (MDB), um dos vereadores que levou a demanda dos moradores à Câmara, afirmou à reportagem que pretende organizar uma audiência pública sobre o assunto ainda este ano, e que tem estudado colher assinaturas para uma CPI das Áreas Verdes, que abordaria, também, a destinação dos três lotes vazios no Castelo para moradias, ao invés de parques ambientais.


“A princípio a PBH obteve, sim, uma vitória com a retirada do projeto de tramitação, não teríamos votos suficientes para aprovar e impedir essas casas naquelas áreas. E as reuniões na PBH com a Segov (Secretaria de Governo) não avançaram. Nós vamos fazer uma audiência pública esse ano ainda, e vamos tentar assinaturas para uma CPI das Áreas Verdes”.


Prefeitura pode suprimir árvores se comprovar intuito social da obra


O ipê-amarelo e pequizeiro são protegidos por leis estaduais devido à importância ambiental e cultural dessas árvores, especialmente no bioma Cerrado. No entanto, segundo o advogado especialista em Direito Ambiental Bernardo Campomizzi, a legislação permite a supressão dessas espécies caso haja um projeto de utilidade pública ou interesse social, como é o caso das moradias populares planejadas pela Prefeitura de Belo Horizonte.


“O corte dessas árvores pode ser permitido desde que o projeto atenda aos critérios de utilidade pública ou interesse social e seja autorizado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente. Qualquer supressão, seja pela prefeitura, seja por um particular, dependerá do cumprimento dos requisitos previstos na lei”, explicou o especialista. Ele reforça que o processo deve cumprir os requisitos legais, como a obtenção de licenças ambientais e a apresentação de medidas de compensação ambiental.


Campomizzi também esclarece que o fato de os moradores não serem os proprietários do terreno torna o plano mais difícil de ser aceito. “O fato de a área ser pública, e não privada, pode dificultar o reconhecimento da população sobre a necessidade de preservação do espaço. Isso dependerá da política municipal de meio ambiente e da análise sobre se a área em questão é considerada de interesse público para a criação de um parque ou unidade de conservação. A decisão vai depender das características ambientais e sociais do local para que seja definido o uso e a proteção do espaço, mas seria necessário seguir todo um procedimento no âmbito municipal, seja por meio do Poder Legislativo, com a aprovação de uma lei na Câmara de Vereadores, ou pelo Poder Executivo, para a criação oficial de um espaço protegido”.

Além disso, ele destaca que o plantio recente das mudas pelos moradores não altera automaticamente o status da área, que continua sob posse pública. “A Prefeitura pode alegar que a ocupação foi realizada sem autorização e decidir pela remoção, desde que cumpra os requisitos legais”, apontou Campomizzi.