Autor de três livros – “Marcas do Passado”, de 2022, “Cobiça”, de 2020, e “O Amargo e o Doce”, de 2017 – o prefeito de Belo Horizonte, Fuad Noman (PSD), que morreu nesta quarta-feira (26 de março), foi alvo de críticas devido à obra “Cobiça” durante a campanha eleitoral de 2024. Fuad estava internado desde o dia 3 de janeiro, quando foi diagnosticado com pneumonia. Na noite dessa terça (25 de março), o chefe do Executivo sofreu uma parada cardiorrespiratória. Apesar de ter sido reanimado, não resistiu e veio a óbito.

O livro “Cobiça” concentrou as atenções, principalmente na última semana de campanha do segundo turno da disputa pela sucessão da Prefeitura de Belo Horizonte, e foi alvo de uma batalha judicial que deu ganho de causa a Fuad. Atrás do prefeito na corrida, o então candidato Bruno Engler (PL) acusou o adversário de fazer apologia à pedofilia em trecho do livro, o que o Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) entendeu como “descontextualização”.

Publicado pela Editora Ramalhete, “Cobiça”, que está na primeira edição, foi lançado em 2020. A obra retrata a viagem de Sueli ao interior de Minas Gerais atrás de memórias familiares. O livro foi o segundo publicado por Fuad, que já havia lançado “O Amargo e o Doce” em 2017, pela Editora Quixote. A obra já havia repercutido durante a campanha, no 1º turno, quando expressões sexuais explícitas chamaram a atenção de leitores por contrastarem com a imagem do prefeito.

Também publicado pela Editora Ramalhete, “Marcas do Passado” foi lançado em 2022 e narra a história de uma moça no final do século passado que é filha adotiva de um casal. Em certo momento da obra, ela sai para trabalhar e acaba sendo estuprada no meio de um parque. A história se desenrola a partir daí, de acordo com o prefeito Fuad Noman em entrevista à FM O TEMPO na época do lançamento do livro.

No perfil de Fuad Noman publicado por O TEMPO, o prefeito conta que a escrita de “O Amargo e o Doce” fala de um coronel do interior que, na década de 1950, não admitia um filho homossexual. “É uma discussão social”, disse.

Em entrevista à FM O TEMPO, Fuad relatou que seu processo de escrita é um “descanso” das atividades como mandatário da capital e como economista. “Muitas vezes, eu chego em casa cansado e me sento no computador para escrever. Vou escrevendo e, quando vejo, é meia-noite. É sempre isso. Não tem um tempo certo, uma disciplina, um horário. O tempo a gente cria, é um prazer muito grande escrever, construir um personagem e manipular um personagem”, narra.

Ataques

O livro “Cobiça” foi utilizado por Bruno Engler para atacar Fuad pela primeira vez em 21 de outubro, quando os candidatos se encontraram em uma agenda organizada pela Igreja Batista Getsêmani, no bairro Dona Clara, região da Pampulha. O deputado estadual tratou o romance como “absolutamente perturbador” e “pornográfico” por narrar o estupro de uma criança. Fuad, então, ironizou o adversário, dizendo que, se fossem discutir literatura, deveriam chamar “Nelson Rodrigues, Bocage e Jorge Amado”.

Em entrevista à FM O TEMPO no mesmo dia, Engler levou o livro, leu um trecho e voltou a criticar o adversário. “O prefeito já disse que se trata de uma ficção, que não tem nada a ver, mas como, em um contexto de um livro erótico, alguém consegue imaginar um estupro coletivo de uma criança de 12 anos?”, insistiu o deputado estadual, pouco antes de ir para o encontro na Getsêmani onde encontraria Fuad.

No dia seguinte, também em entrevista à FM O TEMPO, foi a vez do deputado federal Nikolas Ferreira (PL) utilizar a obra para atacar o prefeito. “Se esse livro tivesse sido escrito por Jair Bolsonaro, esquece. Terceira guerra mundial. Iam colocar ele como um pedófilo, ‘o que esse velho está pensando no seu tempo livre, escrevendo um livro que fala sobre o estupro de uma criança de 12 anos’, ‘o que se passa na cabeça de Jair Bolsonaro?’”, questionou Nikolas.

Naquele mesmo dia, as insinuações foram levadas ao horário eleitoral gratuito, mas pela candidata a vice-prefeita de Engler, Coronel Cláudia (PL), em uma inserção. “Na página 159, Fuad descreve o estupro coletivo de uma criança de 12 anos. Eu não vou nem ler o que está escrito, pois é muito pesado e pode ter crianças ouvindo. Ele se defende dizendo que é uma ficção. Mas como alguém pode sequer pensar no estupro de uma criança?”, reiterou a então candidata a vice.

Reação de Fuad

Em entrevista a O TEMPO após as eleições, Fuad ressaltou que tentaram “criar um escândalo” em sua vida com base na escrita do livro. “Em primeiro lugar, fizeram uma tentativa de criar um escândalo na minha vida. Vasculharam a minha vida inteira, não acharam nada. Acabaram me dando um certificado de bons antecedentes”, destaca.

Ele afirma que o livro foi descontextualizado durante a campanha pelo seu oponente. “Não tem nada do que eles falaram, mas rede social e fake news, você sabe como é, um rastilho que cresce. Cresceu muito. Logicamente que me incomodou, logicamente que as pessoas não sabem separar um livro, uma ficção, um romance de uma vida real. O livro não quer dizer que é uma realidade, é uma história, é até uma denúncia que um risco que uma criança de 12 anos sofre por vingança às vezes por maltrate de padrasto, por pessoas que cuidam dela. Eu diria para você o seguinte: acabou vendendo mais livro, está esgotado”, completa.