A Lei nº 11.610/2023 de Belo Horizonte, que permitia a templos, escolas confessionais e instituições mantidas por entidades religiosas determinar o uso de banheiros com base apenas no sexo biológico, teve a aplicação suspensa pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG). A decisão, em caráter cautelar, atendeu a pedido do Centro de Luta pela Livre Orientação Sexual de Minas Gerais (Cellos). A lei foi sancionada em 20/11/2023 pelo então prefeito Fuad Noman (PSD), originária do projeto de lei 400/22, de autoria da vereadora Flávia Borja (DC). Ele foi aprovado em outubro de 2023 com 26 votos favoráveis, 13 contrários e uma abstenção.
O tribunal considerou que a norma tem indícios de inconstitucionalidade formal e material: além de invadir competência legislativa da União, o texto foi entendido como discriminatório contra pessoas trans, por restringir o uso de banheiros conforme a identidade de gênero.
"Muito embora a lei municipal tenha sido redigida sob o pretexto de afiançar às entidades religiosas e seus fiéis e seguidores o direito à liberdade, autonomia e auto-organização, seu conteúdo, na prática, parece, num primeiro momento, discriminatório e excludente, já que, de maneira implícita, veda o direito de pessoas transgêneras ao uso de banheiros que correspondem à sua identidade de gênero", avaliou o desembargador Kildare Carvalho, relator da ação.
"A vedação imposta pela lei representa forma de exclusão e preconceito institucional que viola a dignidade das pessoas transgêneras e, ainda, o princípio da igualdade, uma vez que são essas pessoas impedidas de acessar o mesmo espaço frequentado por aquelas não-transgêneras que, juridicamente, são iguais a si. Tais pontos, portanto, reveste a fundamentação do requerente da relevância necessária ao deferimento da medida cautelar", completou.
O entendimento repete precedente aplicado à Lei nº 13.698/2022, aprovada pela Câmara de Uberaba, no Triângulo Mineiro, que proibia a instalação de banheiros unissex em locais de acesso público. Naquele caso, o TJMG concluiu que a norma feria a dignidade humana e a igualdade ao impor critérios biológicos de acesso.
Na ação contra a lei de Belo Horizonte, o Cellos argumentou que vereadores apresentam projetos como esse, mesmo sabendo da inconstitucionalidade, para agradar parte do eleitorado. Segundo a entidade, “esse 'espantalho moral' toma espaço nas instituições pela atuação populista de parlamentares que, cientes da inconstitucionalidade da norma, inflamam atritos contra o Judiciário”.
A decisão liminar do Órgão Especial do TJMG foi acompanhada pelos outros desembargadores do Órgão Especial. Com a decisão, a lei ficará sem efeito até o julgamento definitivo da ação.
Lei 11.610/23:
"Art. 1º - Os templos de qualquer culto terão garantida a liberdade para
atribuir o uso dos banheiros de suas dependências de acordo com a
definição biológica de sexo, pela denominação “masculino” e “feminino”,
e não por identidade de gênero.
Art. 2º - O disposto nesta lei também se aplica a escolas confessionais e
instituições mantidas por entidades religiosas, bem como a eventos e
atividades por elas realizados, ainda que fora de suas dependências.
Art. 3º - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação"