Eduardo Tagliaferro, ex-chefe da Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), prestou depoimento por videoconferência à Comissão de Segurança Pública do Senado Federal nesta terça-feira (2/9). A audiência ocorreu simultaneamente ao início do julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete réus no Supremo Tribunal Federal (STF) por suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022.
O depoimento foi convocado pelo senador Flávio Bolsonaro, presidente da comissão e filho do ex-presidente. Durante sua fala, Tagliaferro confirmou que a assessoria do TSE exercia o que chamou de "poder de polícia" e que o ministro Alexandre de Moraes determinou à Polícia Federal a obtenção de gravações e ordenou que ele coordenasse consultas a dados no tribunal.
Repercussão e reação de parlamentares
Parlamentares bolsonaristas utilizaram a sessão como contraponto ao julgamento no STF. Nas redes sociais, o nome do perito tornou-se um dos assuntos mais comentados na plataforma X.
Flávio Bolsonaro classificou as declarações do ex-assessor como "são gravíssimas". Em suas redes sociais, o senador afirmou que as "[As] revelações que mostram como o ministro agiu para beneficiar um lado e para prejudicar e perseguir Bolsonaro de maneira ilegal".
O senador Esperidião Amin (Progressistas-SC) mencionou "abusos autoritários" nas ações do ministro do STF. Ele informou ter obtido 27 assinaturas necessárias para instalar uma CPI para investigar a produção de provas pelo STF sobre eventos como os atos de 8 de janeiro.
A ex-ministra Damares Alves (Republicanos-DF) pediu a interrupção do julgamento no STF. "O que estamos vendo aqui é uma grande violação de direitos humanos. Pessoas foram acusadas e presas, buscas e apreensões foram feitas com provas forjadas por um magistrado. Esse magistrado tinha que ser preso hoje, e o ministro [Luís Roberto] Barroso [presidente do STF] teria que interromper esse julgamento hoje. O Brasil precisa ver o que nós estamos vendo", declarou.
Nenhum senador da base governista que integra a comissão como titular ou suplente compareceu à audiência. Apenas dois senadores do PT, Augusta Brito e Paulo Paim, estiveram presentes, embora não façam parte oficialmente do colegiado.
Origem do caso "Vaza Toga" e a defesa do ministro
Flávio Bolsonaro descreveu Tagliaferro como um "ícone". O perito é apontado como responsável pelo vazamento de informações do gabinete da presidência do TSE durante a gestão de Moraes, entre 2022 e 2024, episódio conhecido como "Vaza Toga".
A Folha de S.Paulo publicou em agosto de 2024 as primeiras conversas extraídas do celular de Tagliaferro com funcionários do STF e TSE. As mensagens foram trocadas entre agosto de 2022 e maio de 2023, período que abrange a campanha eleitoral e os meses após a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e a derrota de Jair Bolsonaro (PL).
A reportagem mostrou que Moraes teria solicitado informalmente ao TSE relatórios sobre investigados nos inquéritos das fake news e das milícias digitais. O gabinete do ministro emitiu nota afirmando que "Todos os procedimentos foram oficiais, regulares e estão devidamente documentados nos inquéritos e investigações em curso no STF, com integral participação da Procuradoria-Geral da República".
Moraes justificou suas ações. "Seria esquizofrênico, como presidente do TSE, me auto-oficiar. Como presidente, tenho poder de polícia e posso, pela lei, determinar a feitura dos relatórios", disse o ministro. Ele acrescentou que todas as solicitações foram documentadas e que os alvos já estavam sob investigação.
Denúncia da PGR e pedido de extradição
Tagliaferro foi exonerado do TSE em maio de 2023, após ser preso e acusado por violência doméstica contra a esposa. A Procuradoria-Geral da República (PGR) o denunciou por múltiplos crimes, incluindo violação de sigilo funcional e tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito. As penas somadas podem chegar a 22 anos de prisão.
O Ministério das Relações Exteriores solicitou ao governo italiano a extradição de Tagliaferro, que deixou o Brasil rumo à Itália após o início das investigações.
Na denúncia, o procurador-geral Paulo Gonet afirma que Tagliaferro agiu "de maneira livre, consciente e voluntária" para "atender a interesses ilícitos de organização criminosa responsável por disseminar notícias fictícias contra a higidez do sistema eletrônico de votação e a atuação do STF e TSE, bem como pela tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito".