BRASÍLIA — A Câmara dos Deputados cassou o mandato de Flordelis enquanto ela aguardava em liberdade a Justiça decidir se iria condená-la ou não pelo homicídio triplamente qualificado do marido Anderson do Carmo. Ela perdeu os direitos políticos após votação no plenário da Câmara em agosto de 2021; naquela sessão, 437 deputados votaram pela cassação, enquanto somente sete se manifestaram pela mudança do mandato de Flordelis e outros 12 se abstiveram.

O relator do processo, deputado Alexandre Leite (DEM-SP), entendeu que as provas apresentadas à Justiça àquela altura bastavam para comprovar a participação de Flordelis no planejamento do assassinato do marido. Ele também justificou o pedido de cassação argumentando que a parlamentar usou o mandato para coagir testemunhas e ainda ocultar provas. Leite disse ainda que seu parecer não se debruçava somente sobre os crimes atribuídos a Flordelis, mas também às “infrações atentatórias ao decoro parlamentar”. 

“As provas coletadas tanto por esse colegiado [Conselho de Ética], quanto no curso do processo criminal, são aptas a demonstrar que a representada tem um modo de vida inclinado para prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo”, escreveu o relator Alexandre Leite em seu voto pela cassação do mandato. Ele ainda encerra citando uma declaração do delegado que chefiou as investigações contra Flordelis, Allan Duarte Lacerda: “o que a gente percebe, tira de conclusão aí no final das investigações, é que essa versão idílica dela, de pessoa generosa, afetuosa, religiosa, altruísta, foi descortinada para dar lugar a uma personalidade desvirtuada, perigosa e manipuladora”.

O processo contra Flordelis tramitou com celeridade na Câmara dos Deputados, à época presidida por Arthur Lira (PP-AL). A representação contra ela foi apresentada em fevereiro de 2021; quatro meses depois, em junho, o Conselho de Ética aprovou o parecer do relator pela cassação. Um mês depois, em agosto, a Câmara cassou o mandato em plenário. 

A velocidade não se repetiu, entretanto, quando o mandato do então deputado Chiquinho Brazão estava ameaçado. Na última quinta-feira (24), a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados cassou Brazão por excesso de faltas nas sessões; a cassação dele nunca chegou a votação no plenário da Casa — ignorando, principalmente, a pressão exercida pela bancada do PSOL para que a representação pela cassação fosse à análise dos 513 deputados da Câmara.

O que aconteceu com Chiquinho Brazão?

A Polícia Federal (PF) prendeu o então deputado Chiquinho Brazão em 24 de março de 2024. Investigações apontaram que ele, o irmão Domingos Brazão e o delegado Rivaldo Barbosa foram os responsáveis pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Gomes. A emboscada aconteceu no centro do Rio de Janeiro em 2018.

Com a revelação da Polícia Federal, o União Brasil expulsou Brazão do partido. Ele, o irmão e o delegado são alvo de ação penal no Supremo Tribunal Federal (STF). Chiquinho Brazão permaneceu detido na cadeia até o último dia 12 de março, quando o ministro Alexandre de Moraes autorizou que ele fosse para prisão domiciliar no Rio de Janeiro por questões de saúde. Um relatório médico incluído no processo indicou que Brazão tem alta possibilidade de sofrer mal súbito e morrer. 

Dias após a prisão de Chiquinho Brazão, o Conselho de Ética recebeu uma representação que pedia a cassação do mandato dele. O processo foi demorado; o parecer da relatora, deputada Jack Rocha (PT-ES), pela cassação foi aprovado em agosto de 2024. Em setembro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) rejeitou o recurso dos advogados de Brazão e liberou o processo de cassação para votação em plenário. Arthur Lira, ainda presidente da Câmara àquela altura, nunca incluiu a cassação de Brazão na pauta de votações do plenário.

O sucessor dele, Hugo Motta (Republicanos-PB), também não se comprometeu e não pautou. A solução encontrada para pôr fim a essa indisposição, já que um ano depois de ser preso, Brazão ainda mantinha o mandato e as benesses do cargo, foi cassá-lo por faltas — e não por quebra de decoro ou pela acusação de assassinato da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.

A decisão de Hugo Motta até beneficia Chiquinho Brazão. Como ele não foi cassado pelo plenário, ele mantém seus direitos políticos e não será punido com a inelegibilidade; o que só deverá acontecer se o Supremo Tribunal Federal condená-lo no processo criminal.