BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contra-atacou a carta do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que impôs tarifas de 50% sobre as exportações brasileiras nesta quarta-feira (9). Por meio de nota, divulgada agora à noite, o petista afirmou que o aumento unilateral das tarifas será respondido "à luz da lei brasileira de reciprocidade econômica".

"Qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica. A soberania, o respeito e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro são os valores que orientam a nossa relação com o mundo", diz trecho da nota assinada por Lula.

A chamada Lei de Reciprocidade, citada na nota, permite ao Brasil adotar medidas equivalentes contra países que elevam tarifas unilateralmente. Na prática, o país poderá impor tarifas ou restrições do mesmo tipo em resposta, seguindo normas internas e acordos internacionais, como os da Organização Mundial do Comércio (OMC), para defender seus interesses comerciais.

Lula também contestou informações contidas na carta de Trump. "É falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos", concluiu.

A declaração assinada por Lula nasceu de uma reunião de emergência marcada pelo presidente brasileiro após o anúncio de Trump. Nesta noite de quarta-feira, Lula recebeu no Palácio do Planalto o vice-presidente Geraldo Alckmin, ministro da Indústria, e os também ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Mauro Vieira, do Itamaraty. A reação era aguardada com ansiedade pelo mercado brasileiro e pelo Congresso Nacional.

Defesa do Judiciário

Com discurso de manutenção da soberania nacional, Lula respondeu ainda às acusações contidas na carta de Trump sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento sobre tentativa de golpe de Estado que tem Jair Bolsonaro (PL) e aliados como réus. Além de defender o ex-presidente, Trump disse que o processo era uma "caça às bruxas". Lula rebateu. 

"O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de Estado é de competência apenas da Justiça brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais", escreveu o presidente brasileiro. 

Lula também defendeu outras decisões do STF contra as empresas de tecnologia norte-americanas que Trump chamou de tentativa de censura e de cercear a liberdade de expressão dos cidadãos. "Para operar em nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira", respondeu.

O que aconteceu?

A indisposição entre Brasil e Estados Unidos começou a escalar nesta quarta-feira a partir de uma nota publicada pela embaixada norte-americana reforçando o apoio de Trump à família Bolsonaro. "A perseguição política contra ele [Jair Bolsonaro], sua família e seus apoiadores é vergonhosa e desrespeita as tradições democráticas do Brasil", diz. À declaração se seguiu uma reação do Ministério das Relações Exteriores. 

O Itamaraty advertiu o encarregado de negócios da embaixada norte-americana, Gabriel Escobar. A diplomacia brasileira disse que a declaração dos Estados Unidos foi uma "intromissão indevida e inaceitável". À tarde, o presidente Donald Trump ameaçou impôr tarifas ao mercado brasileiro. 

Em declaração pública àquela altura, Trump afirmou o Brasil não era bom para os Estados Unidos e indicou a aplicação de sobretaxas sobre as exportações. A indisposição do norte-americano com o país se agravou após a reunião do Brics. Ele considerou que o grupo de países pretendia destruir o dólar.

Trump cumpriu a promessa horas mais tarde com uma carta dirigida ao presidente Lula, e aproveitou a oportunidade para criticar o Supremo Tribunal Federal (STF) e o inquérito do golpe que corre contra Jair Bolsonaro (PL) e aliados por crimes contra a democracia. Trump decidiu que os produtos brasileiros serão sobretaxados em 50% a partir de 1º de agosto. Hoje o Brasil paga 10% em taxas sobre os produtos dirigidos aos Estados Unidos. A tarifa estava em vigor há três meses.

O norte-americano não descartou que novos aumentos ocorreram e declarou que as tarifas só serão revistas se o Brasil decidir pela abertura de mercados comerciais hoje fechados com os Estados Unidos. “Se, por qualquer razão, o senhor [Lula] decidir aumentar suas tarifas, qualquer que seja o valor escolhido, ele será adicionado aos 50% que cobraremos. Por favor, entenda que essas tarifas são necessárias para corrigir os muitos anos de tarifas e barreiras tarifárias e não-tarifárias do Brasil”, declarou Trump na carta.

“Poderemos, talvez, considerar um ajuste nesta carta. Essas tarifas podem ser modificadas, para cima ou para baixo, dependendo do relacionamento com seu país. O senhor nunca ficará decepcionado com os Estados Unidos da América”, finalizou Trump. 

Crítica ao STF

A carta escrita ao presidente Lula por Donald Trump cita nominalmente Bolsonaro e tece críticas à atuação do Supremo. O norte-americano fala de “ataques” do Brasil às eleições e "violação da liberdade de expressão dos americanos". Ele se refere aos despachos do ministro Alexandre de Moraes contra empresas de tecnologia norte-americanas, como Rumble.

Em um dos episódios, ele determinou o bloqueio do X por descumprimentos de decisões e inadimplência no pagamento de multas impostas à rede. Trump também atacou a ação penal em julgamento no STF em que Bolsonaro é réu por tentativa de golpe de Estado.

O inquérito se debruça sobre uma série de ações atribuídas a Bolsonaro e a aliados dele para mantê-lo no poder após a derrota para Lula nas eleições presidenciais. A ação nasceu de uma denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR).

Preocupação com o Brics

A posição de Trump, ainda que cite Bolsonaro, ocorre após a reunião da cúpula do Brics no Rio de Janeiro. O norte-americano considerou que as políticas do grupo de países são contra os Estados Unidos. O Brics reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul e, em declaração dos líderes no domingo (6), criticou as medidas protecionistas adotadas no mercado global.

"Reiteramos nosso apoio a um sistema multilateral de comércio baseado em regras, aberto, transparente, justo, inclusivo, equitativo, não discriminatório e consensual, com a OMC em seu núcleo, com tratamento especial e diferenciado (TED) para seus membros em desenvolvimento", diz o documento.

Governistas culpam Eduardo 

O anúncio de Trump repercutiu imediatamente na Câmara dos Deputados. O líder da bancada do PT, Lindbergh Farias, reagiu às sanções. Ele disparou críticas à posição de Donald Trump e avaliou que a imposição de sobretaxas às exportações brasileiras é um ataque às instituições e à democracia. O deputado disse que as sanções, entretanto, não serão suficientes para frear o julgamento de Jair Bolsonaro (PL) no Supremo. 

"Eu não consigo lembrar na história de um ataque tão grande à soberania. Ao atacar o Supremo estão atacando uma instituição democrática brasileira, um poder independente", afirmou. "A resposta do Brasil será um país unido em apoio ao Supremo e ao julgamento independente. Não vai ser um governante de país estrangeiro que impedirá que a Justiça brasileira faça seu trabalho", completou. 

O líder do PT também atribuiu ao deputado licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) a responsabilidade pelas sanções impostas ao mercado brasileiro. "Não tenho dúvidas de que seja uma articulação construída pelo Eduardo Bolsonaro", disparou.

Pressão sobre produtos brasileiros

Com o anúncio de Trump, alguns setores da economia brasileira serão mais prejudicados. Entre eles estão as indústrias de alumínio e aço, que já tinham uma alíquota de 25% estabelecida por Trump anteriormente. A nova taxação impõe, agora, uma tarifa de 75%. 

Do total de produtos comercializados com outros países pelo Brasil em 2024, cerca de 12% do volume total foi destinado aos EUA. Os principais produtos exportados à indústria norte-americana pelo Brasil são óleos brutos de petróleo, produtos semimanufaturados de aço e ferro, aviões e café. 

Leia a declaração do governo brasileiro após carta de Trump:

Tendo em vista a manifestação pública do presidente norte-americano Donald Trump apresentada em uma rede social, na tarde desta quarta-feira (9), é importante ressaltar:

O Brasil é um país soberano com instituições independentes que não aceitará ser tutelado por ninguém.

O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais.

No contexto das plataformas digitais, a sociedade brasileira rejeita conteúdos de ódio, racismo, pornografia infantil, golpes, fraudes, discursos contra os direitos humanos e a liberdade democrática.

No Brasil, liberdade de expressão não se confunde com agressão ou práticas violentas. Para operar em nosso país, todas as empresas nacionais e estrangeiras estão submetidas à legislação brasileira.

É falsa a informação, no caso da relação comercial entre Brasil e Estados Unidos, sobre o alegado déficit norte-americano. As estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos.

Neste sentido, qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade Econômica.

A soberania, o respeito e a defesa intransigente dos interesses do povo brasileiro são os valores que orientam a nossa relação com o mundo.