Investigação

PF diz que Valdemar usou verba pública para atacar urnas e provocar 'golpe'

PF diz ter provas que Valdemar Costa Neto usou dinheiro público para atacar o sistema eleitoral e criar condições para um golpe de Estado

Por Renato Alves
Publicado em 08 de fevereiro de 2024 | 11:28
 
 
 
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A Polícia Federal diz ter provas que Valdemar Costa Neto usou a estrutura do Partido Liberal (PL) e o dinheiro público, que recebe por meio do fundo partidário, para atacar o sistema eleitoral brasileiro e criar condições para um golpe de Estado que manteria Jair Bolsonaro no Palácio do Planalto. 

As informações constam no relatório que embasou os mandados de busca e apreensão, além das prisões e medidas cautelares na operação desencadeada nesta quinta-feira (8) para apurar “uma organização criminosa que atuou na tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito”. 

Bolsonaro e Valdemar são alvos. Ambos estão proibidos de deixar o país, se encontrarem e fazerem qualquer tipo de contato. O presidente do PL foi preso em meio a cumprimento de mandado de busca e apreensão porque agentes encontraram na casa dele uma arma sem registro.

Investigadores apresentaram à Procuradoria-Geral da República (PGR) e ao Supremo Tribunal Federal (STF) provas de envolvimento direto de Valdemar Costa Neto no que garantem ser um plano para impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por meio de intervenção militar.

Áudio de Mauro Cid é usado como prova contra Valdemar Costa Neto

Entre os indícios contra o presidente do PL está um áudio de Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, cujo destinatário seria o então comandante do Exército, general Freire Gomes. Na mensagem, de 8 de novembro de 2022, Valdemar é citado sobre uma conversa que teve com Bolsonaro.

O assunto da conversa seria medida para anular a eleição. À época, uma semana após a vitória de Lula, Cid era tido como um dos mais fiéis e próximos assessores de Bolsonaro.

O áudio recuperado pela PF mostra que, a princípio, Valdemar estava resistente a questionar a vitória de Lula, mas que ele começou a mudar de ideia após seguidas lives realizadas pelo argentino Fernando Cerimedo, em novembro de 2022, relatando supostas fraudes em urnas eletrônicas fabricadas antes de 2023. 

PF destaca que Valdemar disse que Bolsonaro insistiu em fraude nas urnas

A PF destaca que Valdemar se pronunciou publicamente em 19 de novembro informando que o PL entraria com uma ação judicial questionando o resultado das eleições, usando os mesmos fundamentos alegados por Cerimedo. 

“Em entrevista, Valdemar deixa evidenciar que o questionamento foi provocado a partir do então presidente Jair Bolsonaro, quando afirma: ‘E o nosso pessoal e a insistência do Bolsonaro pra ver esse assunto... eu tinha tranquilidade porque eu disputo eleição antes desde 1990 e as urnas estão aí desde 1994. Nunca tive preocupação com isso. E ele insistindo comigo. Aí insisti com o pessoal. Eles foram lá e descobriram isso aí. Temos tudo já comprovado. Tudo fotografado. Tudo colocado em cartório’”, ressalta trecho do relatório da PF.

Empresa contratada pelo PL apontou supostas fraudes sem mostrar provas

Em sua manifestação sobre os pedidos da PF, a PGR cita que o “Partido Liberal – PL, entidade fiscalizadora das eleições, solicitou à entidade técnica especializada especificamente contratada, com recursos próprios, para o fim de auxiliar a agremiação na fiscalização do pleito, Instituto Voto Legal (IVL) – que fizesse a auditoria acerca do funcionamento das urnas eletrônicas do pleito eleitoral de 2022.” 

O Instituto Voto Legal produziu o documento “Relatório Técnico sobre o Mau Funcionamento das Urnas Eletrônicas”, que apontou “inconsistências graves e insanáveis acerca do funcionamento de uma parte das urnas eletrônicas utilizadas no pleito eleitoral de 2022”. 

Em 15 de novembro de 2022, Valdemar divulgou o documento preliminar denominado “Relatório Técnico – Logs Inválidos de Urnas Eletrônicas”, no qual o Instituto Voto Legal é apresentado como “equipe técnica contratada”. 

Investigadores mostram relação de empresa investigado com oficial do Exército

O documento produzido informa que o Instituto Voto Livre fez uma parceria com a empresa Gaio.io, para “validar estudos estatísticos que nos são apresentados, com descobertas de indícios de funcionamento incorreto do sistema eletrônico de votação e das urnas eletrônicas, que justifiquem uma investigação aprofundada”. 

Mas investigadores da PF levantaram a relação entre o Instituto Voto Livre, a Gaio.io, o argentino Fernando Cerimedo e um oficial do Exército Brasileiro. 

(“...) descobriu-se que o investigado Eder Lindsay Magalhães Balbino, sócio da empresa Gaio.io, com sede em Uberlândia (MG), foi o responsável por subsidiar o ‘estudo’ apresentado por Fernando Cerimedo em sua live, tendo a Gaio.io colaborado com o relatório produzido pelo Instituto Voto Legal”, diz trecho do relatório da PF. 

Investigadores ressaltaram que a Gaio.io foi citada nove vezes no relatório técnico apresentado pelo Instituto Voto Legal que baseou o pedido de anulação dos votos das urnas antigas feito junto ao TSE em 22 de novembro de 2022. 

“Identificou-se, então, que os ‘especialistas’ contratados pelo Partido Liberal, supostamente independentes, possuíam na verdade vinculações com o argentino Fernando Cerimedo e o major da reserva Ângelo Martins Denicoli”, aponta a PF.

A PF e a PGR comprovaram, por meio do Detalhamento das Despesas da Prestação de Contas do PL referente a 2022, que o partido presidido por Valdemar Costa Neto fez cinco pagamentos de R$ 225 mil, entre 27 de julho e 18 de novembro de 2022, ao Instituto Voto Legal, sob a descrição do gasto ‘Serviços técnicos profissionais’ – os pagamentos somam R$ 1.225.000.

Documento de instituto contratado pelo PL fomentou tentativa de golpe, diz PF

A PF diz no relatório à PGR e ao STF que a representação protocolada pelo PL, no intuito de reverter o resultado da eleição presidencial de 2022, foi amplamente usada pelos aliados de Jair Bolsonaro em mensagens disseminadas pelas redes sociais que fomentavam pedidos de intervenção militar.

“A cronologia dos fatos apresentados demonstra que os investigados utilizaram, de forma coordenada, diversos meios para disseminar informações falsas sobre o processo eleitoral brasileiro. Conforme exposto, o material apresentando falsas vulnerabilidades nas urnas eletrônicas produzidas antes de 2020, foi elaborado pelo grupo, inclusive com o auxílio do que Mauro Cid chamou de ‘nosso pessoal’, se referindo a especialistas na área de informática (inclusive hackers)”, cita a PF. 

“Seguindo a estratégia de difusão por multicanais, os investigados repassaram o conteúdo para o argentino Fernando Cerimedo, que disseminou o material falso em uma live realizada no dia 4/11/2022. O conteúdo da live foi resumido e propagado por vários integrantes da organização, inclusive por militares. Em seguida, visando burlar as ordens judiciais de bloqueio (das redes sociais), os investigados disponibilizaram o conteúdo em servidores localizados fora do país”, segue o relatório. 

“O alinhamento entre os investigados se demonstra, ainda, a partir das falas proferidas por Valdemar Costa Neto, em 23/11/2022, um dia após ter ingressado com o pedido de anulação dos votos das urnas antigas junto ao TSE: ‘Nós contratamos uma empresa de homens altamente qualificados para poder acompanhar as eleições, e eles, por coincidência e talvez por tecnologia, eles conseguiram atingir esse objetivo de conseguir algo palpável no segundo turno. No primeiro eles não pegaram. (…) No segundo turno eles aumentaram a equipe, trouxeram um gênio lá de Uberlândia e que ajudou muito a gente. Aí ele descobriu esse problema que o nosso pessoal não tinha descoberto. Então nós fomos obrigados a colocar isso aí’”, completa a PF.

PF cita ação de coligação de Bolsonaro para anular votos

No documento entregue à PGR e ao STF a PF diz que a “instrumentalização” do PL visava “financiar a estrutura de apoio às narrativas que alegavam supostas fraudes às urnas eletrônicas, de modo a legitimar as manifestações que ocorriam em frentes as instalações militares”.

Ainda segundo a PF, o “ápice” dessa estratégia ocorreu em 22 de novembro de 2022, quando a Coligação Pelo Bem do Brasil (formada pelo PL, Republicanos e Progressistas) ingressou com ação judicial que, na prática, anularia os votos computados pelas urnas fabricadas antes de 2020.

“Registra-se que apesar do questionamento formal ter se originado através de uma coligação partidária (o que em tese atrairia o protagonismo de diversos partidos), o autointitulado presidente da coligação e principal fiador dos questionamentos era Valdemar Costa Neto, conforme demonstra a peça inicial e o registro de entrevistas a diversos veículos de comunicação nos dias que antecederam o protocolo da ação, bem como na data do efetivo ingresso no TSE”, destaca a PF.

“No entanto, mesmo os investigados tendo ciência da chance remota de êxito, a estratégia adotada teve a finalidade de servir de fundamento para a tentativa de execução do Golpe de Estado, que estava em curso desde novembro de 2022”, destacou Alexandre de Moraes na decisão que autorizou a operação desta quinta-feira, para cumprimenro deu 33 mandados de busca e apreensão, quatro mandados de prisão preventiva e 48 medidas cautelares diversas da prisão, que incluem a proibição de manter contato com os demais investigados, proibição de se ausentar do país, com entrega dos passaportes no prazo de 24 horas e suspensão do exercício de funções públicas.

PF fez buscas na sede do PL e prendeu assessores de Bolsonaro

Policiais federais fizeram buscas e apreensões na sede do PL, em Brasília, na manhã desta quinta-feira. Jair Bolsonaro é presidente de honra do partido. Quatro ex-assessores dele são alvos de mandados de prisão

Até a mais recente atualização desta reportagem, agentes da PF haviam prendido Filipe Martins, ex-assessor para Assuntos Internacionais da Presidência, e o coronel Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro. Ele foi exonerado do cargo em outubro do ano passado, e foi contratado pelo PL para auxiliar o ex-presidente.  

O que diz a PF sobre a suposta ‘organização criminosa’

No relatório apresentado à PGR e ao STF, a Polícia Federal aponta que a investigação está relacionada com a “atuação de organização criminosa” com cinco eixos de atuação: 

  • ataques virtuais a opositores; 
  • ataques às instituições (STF, TSE), ao sistema eletrônico de votação e à higidez do processo eleitoral; 
  • tentativa de Golpe de Estado e de Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
  • ataques às vacinas contra a Covid-19 e às medidas sanitárias na pandemia; 
  • uso da estrutura do Estado para obtenção de vantagens, subdividido em: uso de suprimentos de fundos (cartões corporativos) para pagamento de despesas pessoais; inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde para falsificação de cartões de vacina; e desvio de bens de alto valor patrimonial entregues por autoridades estrangeiras ao ex-presidente Jair Bolsonaro, ou agentes públicos a seu serviço, e posterior ocultação com o fim de enriquecimento ilícito.

A equipe de O TEMPO em Brasília apurou que, além de Bolsonaro e Valdemar, entre os alvos estão:

  • Almir Garnier Santos; ex-comandante-geral da Marinha;
  • Anderson Torres, ex-ministro da Justiça;
  • Augusto Heleno, ex-ministro-chefe do GSI;
  • Marcelo Câmara, ex-ajudante de ordens;
  • Filipe Martins, ex-assessor de Bolsonaro; 
  • Stevan Teófilo Gaspar de Oliveira, general e ex-chefe do Comando de Operações Terrestres do Exército;
  • Tércio Arnaud Thomaz, ex-assessor de Bolsonaro e considerado um dos pilares do chamado "gabinete do ódio";
  • Walter Braga Netto, general e candidato a vice de Bolsonaro.

O Exército Brasileiro acompanha o cumprimento de alguns mandados, em apoio à Polícia Federal. A operação foi chamada pela Polícia Federal de "Tempus Veritatis" – "hora da verdade", em latim.

 

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