BRASÍLIA – O youtuber Paulo Figueiredo, que tem atuado nos Estados Unidos ao lado do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) por sanções ao ministro Alexandre de Moraes e outras autoridades brasileiras, ameaçou o também ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes por meio de publicação na rede social X.
“Obrigado, facilita a vida para sancioná-lo quando há uma declaração tão explícita de apoio – prevista na própria lei Magnitsky”, escreveu Figueiredo em resposta à declaração de Mendes a favor de Moraes, após o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, aplicar, na quarta-feira (30/7), a Lei Magnitsky.
Paulo Figueiredo é um dos 34 denunciados ao STF por suposta tentativa de golpe de Estado em 2022. Ele, que mora nos Estados Unidos, é neto do general João Batista de Oliveira Figueiredo (1918-1999), o último presidente (1979-1985) da ditadura militar brasileira (1964-1985).
Paulo Figueiredo foi citado no decreto assinado nesta quarta por Trump que formaliza uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros. No texto, o republicano afirma que Moraes “supervisiona o processo contra Paulo Figueiredo por declarações feitas em solo americano” e que o ministro também “tem incentivado investigações criminais contra outros cidadãos dos EUA que denunciaram suas graves violações de direitos humanos e corrupção”.
A Lei Magnitsky, aplicada contra Alexandre de Moraes, prevê o congelamento de bens e contas bancárias do ministro em solo ou instituições norte-americanas. Qualquer empresa ou bem relacionado a ele nos EUA está bloqueado.
No entanto, Moraes não tem nem nunca teve bem, dinheiro ou propriedade nos Estados Unidos. Além disso, o visto dele norte-americano do magistrado está vencido há dois anos e ele não fez nada para renová-lo.
Em 18 de julho, na primeira represália do governo Trump a Moraes, o Departamento de Estado revogou o visto do ministro e de seus familiares próximos. O secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, citou como justificativa o processo que corre no STF contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), por suposta tentativa de golpe.
A medida foi anunciada horas após Bolsonaro ser alvo de uma operação da Polícia Federal, que realizou buscas e apreensões e determinou a utilização de tornozeleira eletrônica e recolhimento noturno entre 19h e 6h.
As medidas cautelares foram determinadas no inquérito no qual Eduardo Bolsonaro é investigado pela sua atuação junto ao governo Trump para promover medidas de retaliação contra o governo brasileiro e ministros do STF e barrar o andamento da ação penal sobre a suposta trama golpista.
Em março deste ano, Eduardo pediu licença do mandato parlamentar e foi morar nos Estados Unidos, sob a alegação de perseguição política. A licença terminou em 20 de julho.
Em publicação nas redes sociais nesta quarta-feira (10), Gilmar Mendes classificou as medidas contra Moraes como injustas e destacou a importância da atuação de Moraes em casos envolvendo ameaças à democracia.
“Declaro integral apoio ao Ministro Alexandre de Moraes. Ao conduzir com coragem e desassombro a função de relator de processos que envolvem acusações graves, como um plano para matar juízes e opositores políticos e a tentativa de subversão do resultado das eleições, o Ministro Alexandre tem prestado serviço fundamental para a preservação da nossa democracia”, escreveu Mendes.
Gilmar também destacou a importância da autonomia do Judiciário brasileiro diante de pressões externas. Para ele, a reação institucional precisa ser firme, e os ataques não podem enfraquecer o papel constitucional do STF.
“Sobre os acontecimentos de hoje, é importante que se diga: a independência do Poder Judiciário brasileiro é um valor inegociável, e o Supremo Tribunal Federal seguirá firme no cumprimento de suas funções”, completou.
‘Pai’ da Lei Magnitsky critica aplicação contra Moraes
O investidor britânico William Browder, que liderou uma campanha global por justiça ao advogado russo Sergei Magnitsky e resultou na aprovação da Lei de mesmo nome pelo Congresso dos Estados Unidos, criticou a aplicação contra Alexandre de Moraes.
“Passei anos lutando pela aprovação da Lei Magnitsky para acabar com a impunidade contra violadores graves dos direitos humanos e cleptocratas. Pelo que sei, o juiz brasileiro Moraes não se enquadra em nenhuma dessas categorias”, escreveu Browder em sua conta no X.
Fundador e CEO de uma empresa de investimentos, Browder foi o maior investidor estrangeiros na Rússia até 2005, quando teve sua entrada no país negada e foi declarado “ameaça à segurança nacional”. Ele havia denunciado casos de corrupção entre oligarcas russos próximos de Vladimir Putin em empresas como a estatal Gazprom, gigante do mercado de energia.
Em 2008, o advogado de Browder, Sergei Magnitsky, descobriu uma fraude enorme cometida por funcionários do governo russo que envolvia o roubo de 230 milhões de dólares em impostos estaduais. Magnitsky testemunhou contra os funcionários envolvidos nessa fraude e, posteriormente, foi preso, mantido na prisão sem julgamento e sistematicamente torturado.
O advogado passou um ano na prisão sob condições horríveis, foi repetidamente negado tratamento médico e morreu no cárcere em 16 de novembro de 2009, deixando esposa e dois filhos. Desde então, Browder lidera a campanha global por justiça Magnitsky, que busca impor proibições de visto direcionadas e congelamento de bens contra abusadores de direitos humanos e oficiais altamente corruptos.
Os EUA foram os primeiros a impor essas sanções direcionadas com a aprovação da Lei Sergei Magnitsky de Responsabilização pelo Estado de Direito em 2012, que visava exclusivamente cidadãos russos. A lei Magnitsky autoriza o país a impor sanções econômicas a estrangeiros envolvidos em corrupção ou violação grave dos direitos humanos.
Porém, em 2016, uma emenda ampliou seu alcance, permitindo que qualquer pessoa envolvida em corrupção ou abusos contra os direitos humanos pudesse ser incluída na lista de sanções. Não é necessário haver condenação oficial do acusado para aplicação das sanções.
Trump aplicou a lei sob justificativa oficial de suposta violação “grave” de direitos humanos por parte do ministro. Em uma nota sobre a decisão, o Departamento do Tesouro dos EUA afirmou que Moraes “usou seu cargo para autorizar prisões preventivas arbitrárias e suprimir a liberdade de expressão”.
O comunicado acrescentou que o ministro “investigou, processou e reprimiu aqueles que fizeram discursos protegidos pela Constituição dos EUA, submetendo repetidamente as vítimas a longas detenções preventivas sem apresentar acusações”.
Ainda de acordo com o órgão, Moraes “minou os direitos de brasileiros e americanos à liberdade de expressão” e tem como “alvo políticos da oposição, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro”, réu no STF por suposta tentativa de golpe de Estado.
Mas a aplicação da norma a Moraes é controversa, pois o ministro não é acusado de corrupção e suas decisões judiciais são referendadas pelo Supremo em um regime democrático, assim reconhecido por diversas entidades internacionais, inclusive norte-americanas.
Além do Judiciário, seguem em funcionamento os poderes Executivo e Legislativo, com dois dos filhos de Jair Bolsonaro (PL) como integrantes de tal poder: o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) e Eduardo Bolsonaro.
Em 17 de julho, uma reportagem do jornal “The Washington Post” revelou que novas sanções contra o ministro estavam sendo articuladas pelo por Eduardo com integrantes do governo Trump. Eduardo comemorou nesta quarta a decisão dos EUA contra Moraes.
Transparência Internacional também critica Trump
A Transparência Internacional e entidades estrangeiras que defendem os direitos humanos também criticaram o uso da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes.
Em nota, a Transparência Internacional afirmou considerar “alarmante e inaceitável o uso seletivo da Magnitsky para fins políticos e econômicos”. “Essa prática tem se tornado cada vez mais frequente sob a atual administração Trump”, ressaltou.
A entidade disse que, no caso de Moraes, “tal medida apenas fomentará mais instabilidade política no Brasil”. Afirmou que a sanção recaiu sobre o ministro por ele ser o relator da ação contra Jair Bolsonaro por suposta tentativa de golpe de Estado de 2022.
A Transparência Internacional lembrou que tem feito críticas recorrentes ao STF, “tanto pela impunidade generalizada em casos de corrupção quanto por abusos de poder cada vez mais normalizados”. “Essas preocupações não devem ser ignoradas, pois representam uma ameaça real à democracia brasileira”.
No entanto, diz a entidade ressaltou que “nada disso justifica a interferência de um governo estrangeiro que desrespeita princípios fundamentais do direito, como a soberania nacional e a separação dos poderes”.
“O contraste é particularmente marcante quando se considera a estreita parceria da administração Trump com o presidente Nayib Bukele, de El Salvador — um líder amplamente denunciado por violações sistemáticas de direitos humanos, incluindo encarceramento em massa sem o devido processo legal, tortura e repressão à dissidência”, pondera.
“Bukele, notadamente, nunca enfrentou a ameaça de ser incluído na lista da Lei Global Magnitsky pela administração Trump”, completa a Transparência Internacional. a entidade também cita a decisão da administração Trump de remover o ministro húngaro Antal Rogán da lista de sanções da Lei Magnitsky.
“Rogán, figura de destaque no governo de Viktor Orbán, foi amplamente acusado de orquestrar esquemas de corrupção e de facilitar a captura do Estado na Hungria, beneficiando a si e seu partido às custas das instituições democráticas e do povo húngaro”, observa a entidade.
“Apesar de evidências claras de abuso sistêmico e corrupção, sua remoção da lista de sanções ilustra como a lei é aplicada de forma inconsistente — não apenas em relação a quem é incluído, mas também a quem é excluído”, prossegue a nota.
“Enquanto Bukele e Orbán são considerados aliados estratégicos a despeito de seus abusos, um magistrado brasileiro — por mais controverso que seja — que enfrenta interesses políticos e econômicos alinhados com Trump e sua rede é sancionado sob a Lei Global Magnitsky”, continua o texto.
“Esse duplo padrão revela a instrumentalização do discurso de direitos humanos para fins geopolíticos, minando os próprios princípios que a Lei Magnitsky afirma defender. A aplicação seletiva enfraquece ainda mais a credibilidade do regime global de sanções e reforça preocupações de que ele esteja sendo usado como ferramenta de conveniência política, e não de responsabilização baseada em princípios”, concluiu o comunicado.
Já a ONG Human Rights Watch, voltada para a promoção dos direitos humanos, citou também o tarifaço de Trump contra o Brasil. “As sanções contra um ministro do Supremo Tribunal Federal e as tarifas impostas pelo governo Trump ao Brasil são uma clara violação da independência judicial, pilar da democracia”, diz nota da entidade.
“Se discordam de uma decisão, deveriam recorrer, não impor punições aos ministros e ao país”, acrescenta a Human Rights Watch no comunicado divulgado em suas redes sociais.
Além de Moraes, veja quem mais foi alvo da Lei Magnitsky
No caso de Moraes, é a primeira vez que a Lei Magnitsky é aplicada contra uma autoridade de um país democrático. Relatório do Congressional Research Service, agência de pesquisa legislativa nos EUA, mostra que 245 indivíduos e 310 entidades (como organizações e empresas) haviam sido sancionados pela Lei Magnitsky até novembro de 2024.
Até então, entre os alvos das sanções estavam violadores graves dos direitos humanos, como autoridades de regimes ditatoriais, integrantes de grupos terroristas e criminosos ligados a esquemas de lavagem de dinheiro e de assassinatos em série.
Entre eles, assessores diretos do príncipe Mohammed bin Salman, da ditadura da Arábia Saudita, responsabilizados pelo assassinato do jornalista Jamal Khashoggi. Regime que tem os Estados Unidos como aliado.
Na América Central, um famoso alvo da lei norte-americana foi Renel Destina, líder da gangue haitina Gran Ravine, que tem cometido crimes como roubos armados, estupros, assassinatos e destruição de propriedades. Em 2021, Destina e comparsas sequestraram um cidadão norte-americano por 14 dias.
Na América do Sul, o caso mais emblemático é do empresário Horacio Cartes, que foi presidente do Paraguai entre 2013 e 2018, e acabou punido após deixar o cargo, sob a acusação de envolvimento em esquemas de corrupção e lavagem de recursos.