BRASÍLIA – O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), defendeu a soberania nacional e criticou o movimento pela anistia, na abertura da primeira sessão de julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado, nesta terça-feira (2/9).
Relator da ação penal, Moraes afirmou, ainda no pronunciamento antes de começar a ler seu relatório sobre o caso, que a soberania brasileira não pode e não deve ser “vilipendiada, negociada e extorquida”. E afirmou que o STF não pode ser ameaçado ou pressionado.
“Impunidade, omissão e covardia não são opções para a pacificação. Apaziguamento não significa impunidade. O país e sua Suprema Corte só têm a lamentar que mais uma vez se tenha novamente tentado um golpe de Estado”, ressaltou.
O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) tem atuado nos Estados Unidos por sanções a ministros do STF para livrar o pai, Jair Bolsonaro, de possível condenação. O governo norte-americano aplicou tarifas de 50% a produtos brasileiros alegando perseguição ao ex-presidente do Brasil.
Assim como Eduardo, políticos da oposição têm dito que só com a absolvição de Jair Bolsonaro e garantia da participação dele nas eleições de 2026 poderia haver uma pacificação. No entanto, Moraes afirmou que pressões internas e estrangeiras não intimidam o STF.
“Essa coação, essa tentativa de obstrução, elas não afetarão a imparcialidade e a independência dos juízes deste Supremo Tribunal Federal”, afirmou o ministro. Ele mencionou a ação no STF contra Eduardo Bolsonaro por causa das suas movimentações nos Estados Unidos.
“A pacificação do país, que é o desejo de todos nós, a pacificação do país depende do respeito à Constituição, da aplicação das leis e do fortalecimento das instituições, não havendo possibilidade de se confundir a saudável e necessária pacificação com a covardia do apaziguamento, que significa impunidade”, ponderou Moraes.
Após fazer uma espécie de manifesto em defesa da Corte e da soberania nacional, o ministro começou a leitura do seu relatório que marca o começo do julgamento de Bolsonaro e de aliados que, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR), articularam a derrubada da democracia para impedir a posse do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
“Essa ação penal constatou a existência de condutas dolosas e conscientes de uma verdadeira organização criminosa que, de forma jamais vista em nosso país, passou a agir de maneira covarde e traiçoeira para tentar coagir o Poder Judiciário”, afirmou Moraes.
Quem está no banco dos réus
Entre os acusados, estão nomes centrais do governo de Bolsonaro e militares de alta patente. São eles:
- Jair Bolsonaro: capitão do Exército de 1973 a 1988, foi presidente da República de 2019 a 2022;
- Alexandre Ramagem: diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, foi delegado da Polícia Federal (PF); atualmente, é deputado federal;
- Almir Garnier: comandante da Marinha na gestão Bolsonaro, é almirante de Esquadra da Marinha;
- Anderson Torres: ministro da Justiça no governo Bolsonaro e delegado da PF, era secretário de Segurança do Distrito Federal nos atos de 8 de janeiro de 2023;
- Augusto Heleno: ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro, é general da reserva do Exército;
- Mauro Cid: ex-ajudante de ordens da Presidência, era um dos principais assessores de Bolsonaro; é tenente-coronel do Exército;
- Paulo Sérgio Nogueira: ministro da Defesa na gestão Bolsonaro, é general do Exército;
- Walter Braga Netto: general da reserva do Exército, foi ministro da Casa Civil e da Defesa de Bolsonaro, e vice na chapa do ex-presidente em 2022.
Os crimes em análise
O grupo responde por abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
A exceção é Ramagem que, por ocupar mandato de deputado, responderá agora somente pelas acusações de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolir o Estado democrático de direito e organização criminosa. O julgamento dos outros dois crimes deve ser retomado pela Justiça quando ele deixar o cargo.
Todas as acusações se apoiam em uma lei sancionada pelo próprio Bolsonaro em 2021, que tipificou de forma mais clara os crimes contra a democracia após a revogação da antiga Lei de Segurança Nacional.
As investigações
As apurações da Polícia Federal (PF) tiveram início após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas. A investigação revelou um conjunto de elementos que, segundo a PGR, demonstram a existência de um plano orquestrado de ruptura institucional.
Entre as evidências, estão a elaboração da chamada “minuta do golpe”, impressa no Palácio do Planalto, que previa decretar Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); a pressão sobre comandantes militares; a disseminação de fake news contra as urnas; e até planos de assassinato de autoridades, como o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes.
O que está em jogo
O processo contra o “núcleo 1” é considerado o mais sensível do conjunto de ações penais abertas após os atos de 8 de janeiro. Para a PGR, esse grupo representava o núcleo decisório e operacional do suposto golpe. Ao todo, são 32 acusados organizados em quatro núcleos distintos, mas o foco inicial recai sobre os oito que, em tese, tinham poder de mando e articulação direta.