Análise

Em sete meses, Justiça Militar recebeu 213 denúncias e condenou 39 militares

No mesmo intervalo de tempo em que cinco militares foram denunciados na Justiça Militar, um policial foi efetivamente condenado pela junta

Por Aline Diniz, Tatiana Lagôa, Manuel Marçal
Publicado em 31 de agosto de 2022 | 03:00
 
 
 
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No mesmo intervalo de tempo em que cinco militares foram denunciados na Justiça Militar, um policial foi efetivamente condenado pela junta. Segundo dados obtidos pela reportagem, por meio da Lei de Acesso à Informação, de janeiro a julho deste ano, 213 agentes foram denunciados ao órgão militar, enquanto, no mesmo período, 39 tiveram a execução criminal (pena) iniciada pelo órgão – os condenados não estão, necessariamente, incluídos nas 213 denúncias, já que que os procedimentos podem ser mais antigos.

Os principais crimes denunciados, neste ano, conforme a Corregedoria da corporação, foram peculato, crimes de tortura, prevaricação, violência arbitrária e abandono de posto. Só neste mês, oito ocorrências envolvendo militares, morte, lesão corporal ou violência foram registradas no Estado. Na situação mais recente, que aconteceu nessa terça-feira (30), Gleisson Sedinez da Silva, de 37 anos, morreu, conforme o boletim de ocorrência, após se negar a largar a arma.

Segundo os militares, ele teria apontado uma arma para o policial e desobedecido a ordem de rendição, o que teria motivado a troca de tiros. Ele teria envolvimento com o tráfico e uma condenação por homicídio. A família de Sedinez fez uma manifestação, na tarde dessa terça-feira, pedindo justiça. Os casos são acompanhados pela Corregedoria da corporação. 

Segundo o diretor de inclusão da OAB Minas Gerais, Willian Santos, as investigações na Justiça Militar seguem trâmites parecidos com os da Justiça comum. “O que ocorre é que a denúncia chega e aí é instaurado um indiciamento na autoridade militar. O Ministério Pública entra com a acusação e um juiz destacado para o caso vai analisar levando em conta os ritos e os direitos de ampla defesa.

Para começar, há a entrada de tantos recursos que alguns casos chegam a prescrever sem ser julgados”, explica o especialista. Alguns crimes podem prescrever em um prazo de dois anos, mas a lei diz que cada crime tem um tempo diferente a depender da gravidade. Santos explica que alguns julgamentos de assassinatos de civis praticados por policiais militares podem ocorrer na justiça comum, conforme entendimento recente do Supremo Tribunal Federal (STF). “No caso do assassinato de um rapaz no Vila Barraginha, em Contagem, o caso tramita na Justiça comum”, conta.

A pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Ludmila Ribeiro, considera que os números repassados pela Corregedoria mostram que não há resposta efetiva para crimes que, em tese, seriam de fácil elucidação como abandono de posto, por exemplo. A expectativa de condenações do órgão para crimes graves, como nos casos dos homicídios que não forem repassados para a Justiça comum, são repassados são baixíssimas.

“Essas pessoas (policiais que cometeram homicídio sem justificativa) não serão punidas, vão colocar em um campo de um desvio sem importância", considera a pesquisadora. Com relação aos números de homicídios cometidos por policiais militares no último mês, ela analisa que militares infratores (exeções dentro da tropa) não acreditam mais na Justiça. “Eles abordam a pessoa e condenam a pena de morte (que sequer existe em nosso Código Penal)", diz.

Ludmila salienta ainda que, em várias polícias do mundo, a transparência é um dos requisitos, o que, na visão dela, não ocorre no Brasil. A Justiça Militar, por exemplo, mesmo diante de uma Lei de Acesso à Informação, não repassou dados dos anos anteriores e nem tipificou exatamente o número de denúncias. Não foram repassados também números relacionados aos homicídios. "Baixas nas polícias são mostradas em uma publicação", afirma.

Posicionamento da Justiça Militar

Confirma que entre janeiro e julho deste ano 213 agentes foram denunciados na Justiça Militar?

Sim, foram 213 militares denunciados em 140 ações penais distribuídas de janeiro a julho de 2022.

Destes, quantos até o momento foram condenados?
Das 140 ações penais distribuídas em 2022, uma transitou em julgado e o militar denunciado foi absolvido. Contudo, 39 militares foram condenados em 2022, em processos distribuídos em anos
anteriores.

Quantos perderam o cargo?

2021:
Foram distribuídos 11 processos, dos quais 6 militares foram excluídos. 02 processos encontram-se em tramitação nos Tribunais Superiores

2022:
Foram distribuídos 28 processos, dos quais 7 militares foram excluídos e 16 processos encontra-se em tramitação.

Poderiam enviar balanço dos crimes denunciados?
Principais assuntos (crimes) cadastrados nas ações penais distribuídas no ano de 2022, até o mês de julho:

Lesão leve: 18
Violência arbitrária (art. 332): 8
Falsidade ideológica: 8
Peculato: 8
Crimes de tortura: 7
Abandono de posto: 7
Crimes de Abuso de Autoridade: 6
Desacato a superior: 4
Concussão: 4
Calúnia: 5
Resistência mediante ameaça ou violência: 3
Prevaricação: 3
Lesão grave: 3
Inobservância de lei, regulamento ou instrução: 3
Fuga de preso ou internado: 4
Estelionato: 3
Embriaguez em serviço: 3
Difamação: 3
Desobediência: 3
Ameaça: 3
Uso de documento falso: 2
Supressão de documento: 2
Publicação ou crítica indevida: 2
Lesão seguida de morte: 2
Crimes do sistema nacional de armas: 2
Desrespeito a superior: 2
Desacato a militar: 2
Dano simples: 2
Crimes de trânsito: 2
Violência psicológica contra a mulher: 1
Violação do sigilo funcional:1
Violação de domicílio: 1
Tráfico de drogas e condutas afins: 1
Recusa de obediência: 1
Promoção, constituição, financiamento ou integração de Organização Criminosa: 1
Patrocínio indébito:1
Injúria real: 1
Ingresso clandestino: 1
Homicídio: 1
Falso testemunho ou falsa perícia: 1
Falsificação do selo ou sinal público: 1
Extravio, sonegação ou inutilização de livro ou documento: 1
Crimes do estatuto da criança e do adolescente: 1
Entrada de aparelho telefônico de comunicação móvel em
estabelecimento prisional: 1
Deserção: 1
Dano qualificado: 1
Corrupção passiva: 1
Condescendência criminosa: 1
Atentado contra viatura ou outro meio de transporte: 1
Associação Criminosa: 1
Apropriação indébita: 1

Outros casos envolvendo militares

Veja alguns casos de abordagens policiais com suspeita de uso excessivo de violência nas últimas semanas

  • 16 de julho

    Marcos Vinicius Vieira Couto, conhecido como Marquinhos, de 29 anos, foi assassinado à queima roupa por um Policial Militar, em Vila Barraginha, em Contagem, na região metropolitana de Belo Horizonte. O boletim de ocorrência informa que o homem estaria se envolvendo em brigas no local e que o rapaz não teria obedecido às advertências verbais e tentado desarmar o militar. O policial chegou a ser preso, mas aguarda julgamento em liberdade.  
     
  • 6 de agosto

    A filha de Marco Pedroza ficou ferida ao ser atingida por uma bomba de efeito moral em partida entre Cruzeiro e Tombense, no Mineirão, em Belo Horizonte. A criança é cardiopata e tem síndrome de Down. A Minas Arena informou que teve conhecimento do fato e fez contato com a família para prestar assistência. A PM não se pronunciou.  
     
  • 7 de agosto

    O motofretista André Martins, de 21 anos, foi agredido enquanto fazia uma entrega de comida, no bairro Funcionários em Contagem, na região metropolitana. Segundo a versão da vítima, os agentes de segurança ainda teriam comido o lanche que ele iria entregar. Os policiais alegam no boletim de ocorrência que duas pessoas em “atitude suspeita” e fazendo “manobras perigosas” correram quando viram a viatura. Por essa razão, o policial o teria imobilizado.  
     
  • 7 de agosto

    Flávia Nathania Faria, de 26 anos, foi espancada por policiais militares por ouvir som alto, em Planura, no Triângulo Mineiro. Ela teve derramamento de sangue dos vasos sanguíneos na região do olho esquerdo, além do acúmulo de sangue seco na narina. Ela foi agredida com chutes e socos por um policial, sendo que um dos golpes teria sido em direção a sua região genital, segundo a vítima. Os policiais relatam que receberam diversas denúncias de som alto no imóvel onde Flávia, o marido e um casal de amigos se encontravam. Os militares contam que foram recebidos de forma hostil por Flávia. Segundo os relatos, ela teria xingado os militares, além de morder a mão de um dos policiais. 
     
  • 13 de agosto

    O fazendeiro Marcos Mendonça Gonçalves, de 23 anos, foi agredido por policiais militares, com socos no rosto, até desmaiar em Paineiras, na região Central de Minas Gerais. Os militares alegam que o jovem estaria soltando bombas na praça da cidade. Testemunhas negam que ele estivesse envolvido no fato. Imagens mostram que a namorada dele, de 18 anos, também foi agredida durante a abordagem. O policial foi transferido para outra região.  
     
  • 14 de agosto

    Uma abordagem policial revoltou moradores do bairro Vila Esperança II, em Juiz de Fora, na região da Zona da Mata, em Minas Gerais. Populares denunciam uso excessivo da força durante uma ação na tarde de domingo. Seis pessoas foram presas e uma precisou ser encaminhada para atendimento médico no Hospital de Pronto Socorro Dr. Mozart Teixeira (HPS). Imagens mostram militares atirando com armas de bala de borracha na direção de civis. De acordo com a Polícia Militar, a confusão teve início durante uma abordagem onde os policiais foram hostilizados depois que cobraram de um dos envolvidos o documento atrasado do veículo de um dos homens abordados. 
     
  • 19 de agosto

    Um adolescente de 15 anos foi morto em ação policial na Vila Embaúbas, próximo ao bairro Nova Gameleira, em Belo Horizonte. Segundo nota divulgada pela corporação, o jovem estava armado. desobedeceu um comando de ordem e teria apontado arma para os militares antes de ser baleado. A família do adolescente, no entanto, contesta a versão da PM e diz que o rapaz não tinha envolvimento com o crime.
     
  • 22 de agosto

    Um homem foi morto em ação policial na Savassi, na região Centro-Sul de Belo Horizonte. De acordo com a corporação, após a tentativa de abordagem a um veículo, o suspeito fugiu em alta velocidade e disparos foram efetuados contra os militares, que revidaram e acabaram baleando o homem. Ferido, ele foi socorrido pela própria viatura da PM, mas acabou morrendo após dar entrada no hospital. 

Matéria atualizada no dia 31/08/2022 às 19h56

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