BRASÍLIA - O presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), se antecipou à onda da anistia impulsionada pelo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) no Supremo Tribunal Federal (STF) e há três meses deu início à articulação para uma alternativa ao perdão político.
Apoiado por três senadores escolhidos à dedo, Alcolumbre procurou o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), para ouvir sugestões do alto escalão dos deputados na construção de uma opção à anistia que fosse factível. No Senado partiram propostas de Alessandro Vieira (MDB-SE), Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Sergio Moro (União Brasil-PR); e o arremate coube a Pacheco.
A minuta elaborada a pedido de Alcolumbre não prevê anistia e não contempla Bolsonaro. O esboço que começaria a tramitar pelo Senado e depois iria à Câmara dos Deputados prevê uma recalibragem das sentenças dos réus que participaram das invasões e depredações aos prédios públicos no 8 de janeiro. A intenção é diminuir sentenças que chegam a 17 anos de prisão.
As penas mais rígidas caberiam não aos invasores, mas àqueles que planejaram e patrocinaram os ataques. O projeto não contemplaria o ex-presidente e os outros réus que sofreram denúncias da Procuradoria-Geral da República (PGR) por tentar um golpe. Pelas acusações, o grupo, que inclui Bolsonaro, planejou até os assassinatos do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice Geraldo Alckmin. A trama golpista, se bem-sucedida, garantiria que Bolsonaro permanecesse na presidência da República — é o que argumenta a PGR a partir do inquérito da Polícia Federal (PF).
Alcolumbre rejeita o rótulo de 'anistia' e 'anistia light' para a versão discutida. O que ele admite é o alívio das penas para parte dos condenados. A concepção desagradou a oposição e a parcela mais radical do Centrão, que pretendem blindar Bolsonaro do STF e reverter a inelegibilidade dele decretada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A ala é encabeçada por nomes como o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ) e Ciro Nogueira (PP-PI). Rejeitando a minuta de Alcolumbre, o grupo abandonou a articulação.
Arthur Lira e Tarcísio de Freitas
O inevitável início do julgamento do ex-presidente no Supremo colocou em ebulição deputados de oposição em uma grande manobra contra o presidente Hugo Motta. A intenção era pressioná-lo a pôr a anistia em votação na Câmara. A estratégia foi obstruir fisicamente o plenário e impedir o início das sessões.
Em um acordo costurado à revelia de Hugo Motta, a oposição atraiu os líderes de partidos do Centrão, que se comprometeram a apoiar a anistia. Assim, as maiores bancadas do colégio de líderes obrigariam o presidente a incluir a anistia na ordem do dia. Motta ignorou tanto quanto pôde, e o próprio Jair Bolsonaro, de sua prisão domiciliar, entrou na partida.
Bolsonaro recorreu a uma liderança respeitada na Câmara, o ex-presidente Arthur Lira (PP-AL). Eles se encontraram na última segunda-feira (1°/9), véspera do início do julgamento. A anistia era o prato principal sobre a mesa.
Jurando fidelidade a Bolsonaro, Tarcísio de Freitas (Republicanos) também entrou em campo. Governador de São Paulo, ele é cotado como herdeiro do espólio político do ex-presidente e se movimentou entre reuniões para encampar a bandeira da anistia. Tarcísio garantiu o apoio do Republicanos, na Câmara, à pauta. Também esteve com os presidentes do PP, Ciro Nogueira, e do União Brasil, Antonio Rueda. Na quarta-feira (3/9), Tarcísio foi recebido por Motta na residência oficial da Câmara.
A pressão sobre Hugo Motta em meio ao julgamento no Supremo parece ter surtido efeito. Ele admitiu a possibilidade de pôr em votação nos próximos 15 dias pelo menos a urgência da anistia. Líderes da base do presidente Lula avaliam que a urgência até pode ser aprovada, mas acreditam que as discussões sobre o mérito podem travar.
Ainda não há relator de plenário para a anistia que tramita na Câmara dos Deputados. Nos bastidores, Arthur Lira manifestou o interesse de que o relator fosse o deputado Tião Medeiros (PP-PR). O nome agrada ao centrão e ainda à oposição. "Se for um nome do Lira, melhor ainda", avaliou um aliado de Bolsonaro no Congresso.
Três textos
Oficialmente, a anistia está prevista em um projeto de lei que começou a tramitar na Câmara dos Deputados após a eleição que sacramentou a derrota de Bolsonaro para Lula. A proposta previa anistia para quem participou de manifestações a partir de 30 de outubro de 2022.
Em outubro de 2024, o então presidente Arthur Lira retirou o PL da Anistia da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), onde ele seria votado antes de ir ao plenário. Lira determinou que fosse criada uma comissão especial para analisar a proposta. A intenção era travar o andamento da anistia.
Cerca de três meses depois, Hugo Motta assumiu a presidência da Câmara substituindo Arthur Lira, que ocupou a cadeira por quatro anos, herdando o imbróglio da anistia. O deputado do Republicanos segurou a proposta tanto quanto pôde.
Hoje, a versão é ignorada e duas versões emergiram no Congresso: a proposta articulada por Davi Alcolumbre, e que não prevê anistia, e uma minuta capitaneada pela oposição. O esboço que o líder do PL, deputado Sóstenes Cavalcante, quer votar não partiu de nenhum deputado do grupo. Ele chegou à bancada pelas mãos da advogada bolsonarista Flavia Ferronato. O texto é amplo e garante a anistia ampla, geral e irrestrita que o PL quer para proteger Bolsonaro.
A minuta em questão concede anistia para quem participou de manifestações a partir de 14 de março de 2019. A data pretende garantir que Bolsonaro seja até anistiada pelos crimes que levaram à inelegibilidade dele, e a proposta abrange justamente os delitos eleitorais. O texto também blinda ele e outros réus de futuros processos.
"Fica concedida anistia a todos aqueles que tenham sido, ou estejam sendo, ou, ainda, eventualmente, possam vir a ser investigados, processados ou condenados", detalha a versão defendida pela oposição. A proposta não chegou a ser protocolada, e, portanto, não pode correr na Câmara dos Deputados.