BRASÍLIA – A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) começou a julgar, nesta terça-feira (2/9), a ação penal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado. Eles integram o chamado núcleo crucial da denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
O ministro do STF Alexandre de Moraes, relator do processo, concluiu a leitura de seu relatório sobre a denúncia. Entre os destaques, afirmou que "coações" não vão afetar o STF e que "covardia e omissão" não são caminhos para pacificação.
Na avaliação do advogado Berlinque Cantelmo, presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, o relatório reconstruiu os fatos de forma cronológica, evidenciando atos de incitação, omissões e articulações que teriam como objetivo enfraquecer as instituições.
"Do ponto de vista jurídico, esses atos foram classificados como crimes contra o Estado democrático de direito, ressaltando que não se trata de um ilícito comum, mas de uma ameaça à soberania nacional e à separação dos Poderes", explica.
Para o especialista, a ênfase do relatório está na gravidade da situação, conferindo ao processo um caráter relevante, que vai além da responsabilidade individual, tratando dos limites da democracia brasileira.
"Os recados de Moraes se inserem nesse contexto como uma espécie de selo político e institucional daquilo que o relatório apresenta de forma técnica. Ao afirmar que o STF será inflexível na defesa da soberania e ao alertar que pacificação não pode ser confundida com covardia, Moraes transmite uma mensagem pedagógica ao país: a democracia não é negociável", avalia o advogado.
Para o advogado Max Telesca, especialista em tribunais superiores, processo civil e direito penal, apesar de termos uma democracia "imperfeita" e um Judiciário "com falhas", é justamente essa democracia e esse Judiciário que estão cumprindo rigorosamente seu papel.
"A democracia é uma casa cheia de goteiras, com infiltrações, no banco está hipotecada, mas é a nossa casa e temos que lutar por ela", defende Telesca.
Os especialistas ressaltam a dimensão histórica e política deste julgamento. No plano histórico, assim como o Mensalão e a Lava Jato, este processo tende a se tornar um marco para o Judiciário, segundo eles. Já na esfera política, embora o STF não seja um órgão político em sentido estrito, enfrentará as repercussões inevitáveis de suas decisões, também de acordo com a avaliação dos especialistas.
Bolsonaro e outros réus respondem por organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, golpe de Estado, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado.
O processo
Em fevereiro deste ano, o ex-presidente e aliados foram denunciados pela PGR por suposta tentativa de manter Bolsonaro no poder após a derrota de 2022.
Em março, por unanimidade, a Primeira Turma do STF recebeu a denúncia, por entender que a PGR demonstrou que os fatos investigados configuram crimes e que há indícios da participação dos denunciados.
Em junho, o STF colheu depoimentos de testemunhas de acusação e defesa do núcleo principal. Na ocasião, as defesas afirmaram que os réus não participaram de nenhum golpe nem tentaram impedir a posse de Lula.
A denúncia foi dividida em diferentes núcleos. O núcleo crucial, composto por Bolsonaro e outros sete réus, é o primeiro a ser julgado. As demais ações penais encontram-se na fase de alegações finais.
Para garantir a segurança, o Supremo preparou um grande esquema de proteção, com reforço de policiamento nos edifícios da Corte, restrição do acesso à Praça dos Três Poderes, varredura com cães farejadores e uso de drones.