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Entrevista Fernando Marcato | A Revolução do Trânsito

Entrevista Fernando Marcato

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"Não existe embasamento para esse prejuízo que eles informam"

Secretário de Estado de Infraestrutura e Mobilidade (Seinfra), Fernando Marcato, afirma que falta transparência das empresas de transporte

Por Izabela Ferreira Alves, 
Queila Ariadne, Rafael Rocha e
Tatiana Lagôa

Foto: Ascom Seinfra/Divulgação

Foto: Ascom Seinfra/Divulgação

Com mais de 15 anos de atuação no setor de infraestrutura, Fernando Marcato assumiu a Seinfra em agosto de 2020, em plena pandemia e crise do transporte intermunicipal, com destaque para o metropolitano. Desde então, segundo ele, a pasta chamou para uma conversa as empresas dos sete consórcios ativos na Grande BH.   

Marcato é especialista na estruturação de projetos de infraestrutura no Brasil e no exterior, professor de direito administrativo na Fundação Getulio Vargas (FGV) e mestre em direito público pela Universidade de Paris. Sua principal atividade antes de entrar no governo era equilíbrio econômico-financeiro dos contratos. Para ele, o principal problema é falta de transparência por parte das cessionárias.   

Segundo o presidente do Sintram, Rubens Lessa, o setor está ofertando sempre uma margem 20% superior ao necessário para transportar a demanda atual, disse ter cortado 32% das viagens que tinham antes para uma queda de 42% dos passageiros. Isso bate com os dados da Seinfra?  

Fernando Marcato: Uma coisa é ter a queda de demanda, ela de fato houve, mas isso não quer dizer que foi linear. Nos horários de pico, tem demanda. Criamos, desde a Onda Roxa, diariamente, uma reunião para definirmos quais são as linhas em que podemos aumentar as viagens e quais aquelas em que podemos reduzir. Ninguém quer que o sistema rode com mais do que precisa, mas não posso permitir que rode com menos. O que tem ocorrido é um grande descumprimento dos combinados por parte dessas linhas. Algumas chegam a não cumprir com 30% do que é combinado, outras menos. Então, o que propusemos, e a princípio o Sintram concordou, foi que sabemos que a queda de demanda gera diminuição de receita, isso é natural, mas precisamos decidir, em conjunto, qual linha a gente vai manter, qual vai aumentar e qual vai deixar para baixo.   

Segundo empresários e especialistas, quando você coloca mais ônibus e menos gente nos carros, gera desequilíbrio econômico-financeiro do contrato e, quando isso acontece, as soluções são aumentar a passagem ou conceder subsídio. O senhor concorda que esses são os únicos caminhos? 

Calma, precisamos tomar algum cuidado com esse discurso. Eles têm 30 anos de outorga. Ao longo dos anos, eles, por conta própria, sem autorização do governo, reduziram a oferta, principalmente nos últimos 15 anos, sem que isso fosse revertido em prol da tarifa.   

A iniciativa privada também tinha que pagar taxas de fiscalização para o poder público, e governos anteriores cortaram essas taxas, e isso não aparece em nenhum lugar, quanto isso impactou os custos das empresas? Não sabemos.   

Equilíbrio econômico-financeiro não acontece só para um lado. Já pedimos a eles o balanço, e nunca recebemos. Não sabemos, por exemplo, quanto as empresas gastam e quanto economizam quando incluem ou reduzem uma viagem. Concordamos que caiu a demanda, mas não é só projetar a demanda para se apurar o prejuízo.   

E quando, há dez anos, tínhamos uma projeção de demanda de 10 milhões de passageiros e foram 15 milhões de passageiros. Esses 5 milhões de passageiros a mais não se reverteram em favor do Estado. As concessões de ônibus têm de responder à mesma lógica da de presídio, de rodovia. Antes de entrar no governo, gerenciava concessões de saneamento e outras mais.   

Ninguém pleiteia desequilíbrio só com base na queda de receita, mas também de despesa. Tem que mostrar, por exemplo, os cálculos de como impactou a planilha as isenções com FGTS no período da pandemia. Onde estão esses cálculos? A única coisa que peço ao Sintram é isso, e, se pudermos conceder, vamos conceder, mas temos de manter nosso papel de regulador, senão a turma vai baixar a qualidade do serviço e vai deixar a população com ônibus lotado, velho e quebrado.   

As idades dos ônibus foram, ao longo dos anos, sendo aumentadas, e como isso foi sendo apropriado na tarifa? Não temos uma memória de cálculo. Não somos contra o reequilíbrio, mas temos de tomar cuidado para fazer essa conta certa. O que nos apresentam aqui são R$ 290 milhões, mas isso não é prejuízo, é queda de receita.   

O setor hoje está muito voltado à obtenção de subsídios junto ao governo do Estado, como São Paulo, a terceira economia do país, concede. Belo Horizonte, atualmente, ajuda as concessionárias com antecipação de créditos e concede fôlego na forma de capital de giro. O prejuízo divulgado pelo Sintram, de dezembro de 2020 a março deste ano foi de quase R$ 88 milhões. A crítica dos empresários é que o Estado não consegue ver a situação deles. Como o senhor vê essa situação?  

Eu acho que temos de tomar cuidado com esse número de prejuízo informado. E, se pudermos te dizer que esse número não tem nenhuma base e que as informações solicitadas pelo Estado, inclusive os balanços das empresas, não foram apresentados. E que, portanto, não existe embasamento para esse número. E que, portanto, juridicamente, não posso nem reconhecer esse número, porque não tem base técnica. É o mesmo que eu falar para você: “Não são R$ 87 milhões, são R$ 2 milhões”.   

Esse cálculo que o Sintram faz é, simplesmente, da queda da receita. Se de um ano para o outro houver uma queda da receita de 10%, porque aconteceu, o Estado não tem obrigação de recompor esses 10% para o setor. Na matriz de risco, a demanda, em alguns casos, está com as cessionárias, e no caso do transporte, no contrato, não se fala que as perdas com esse item têm que ser totalmente recompostas pelo Estado.   

Os empresários alegam que, se a questão não se resolver, o setor vai viver um apagão e que as linhas vão começar a ser descontinuadas, por falta de condição de operação. O senhor acredita que essa dificuldade é real e essa descontinuidade do serviço pode, de fato, ocorrer? 

Acho muito estranho uma concessão estar com tanta dificuldade e não apresentar os números. É natural, todas as concessionárias fazem isso e abrem as planilhas. Há um mês ligamos para os sete consórcios e tivemos uma conversa. É lógico que estão em dificuldade, mas têm 30 anos, podem recuperar na flutuação. Se num momento as coisas pioram, aperta-se o cinto. Quando melhora, faz-se uma economia. Eles sabem quanto tempo dura o contrato. Na concessão, faz-se um estudo básico para estimar o retorno médio anual. Mas tudo que for risco ordinário da concessão é problema do concessionário; fiz mais eficiente, lucro meu.   

No contrato, não há indicação de como é a regulação, ou seja, não existe incentivo para que ele seja mais eficiente. O setor acha que pode repassar todo o custo para a tarifa, bem como toda a oscilação negativa demanda. Por exemplo, custo administrativo, não há clareza de qual custo é esse. Não temos os balanços. É isso que estou querendo abrir. Tenho que saber quais são as rubricas para saber o que está estourando e de quem são. Este é o nosso papel, porque, afinal, quem está pagando a conta é a sociedade.   

Precisamos disso, historicamente, porque houve momentos em que o faturamento, com certeza, foi positivo. Agora, está sendo negativo. Podemos, sim, dar um fôlego, fazer um encontro de contas, mas não é simplesmente dizer “paga isso”, porque o sindicato interpretou o contrato com uma planilha de 1980 do Geipot*, um modelo lá de trás, que tem como rubrica até custo com reprografia. Temos muito interesse em refazer esses contratos, até mesmo para garantir aos empresários segurança jurídica, o que iria valorizar muito os negócios.   

E quanto à legalidade desses decretos de como operar durante a pandemia? E se o sistema parar antes?  

Vemos com temor uma parada do sistema, mas temos uma obrigação diante da população. Só podemos pôr dinheiro se tivermos números claros. O governo do Estado não está fechado a reequilibrar o contrato de concessão do transporte coletivo. A própria Lei 8.987 prevê isso, e acho que as concessionárias têm o direito de pleitear. O decreto não tem jeito, temos de fazer é para salvar vidas.   

Mas não podemos dar um cheque em branco em cima de falta de informações. Estamos brigando para renovar o parcelamento do IPVA, no Confaz a isenção do diesel. Tentamos alinhar um modelo sob demanda para as piores linhas, mas não tenho eco para isso. Só se fala em pôr dinheiro. Temos de calcular despesa e receita que foram impactadas e considerar que o contrato tem 30 anos, e não considerar apenas o momento presente, temos um colchão de amortecimento aí.   

Na Grande BH, fala-se muito em integração, mas os empresários alegam que seria juntar dois sistemas falidos. Já os especialistas dizem que não havia vontade política, pois os donos das linhas municipais são também das intermunicipais. Qual é a sua visão?  

Para mim, integração está totalmente ligada a planejamento. Os sistemas até podem andar separados, mas, se eu opero uma linha concorrente da BHTrans na avenida Amazonas, por exemplo, devemos otimizar isso. Se o município já opera uma linha que atende bem a população naquele local, não justifica o metropolitano continuar com uma linha ou entrar com uma na mesma localidade. Outro ponto importante é os municípios terem linhas que alimentem as linhas troncais metropolitanas. 

E, para mim, o futuro está na desmobilização da frota como conhecemos hoje. Carros menores em momentos de menos demanda, operações sob demanda. Vai ter gente que vai ficar pelo caminho, porque não quis se modernizar. Um subsídio público pontual, para algumas linhas, pode existir, mas para isso temos de fazer conta, planejamento, não é assim. As concessionárias podem trazer essas propostas. A que podemos incentivar, manter e abaixar. Sou pró-mercado, mas somos o regulador. A agência não pode ser capturada, estamos no início, num momento de assimetria de informação, normal, eles é que operam o negócio. Mas não podemos ficar reféns.  

*Grupo Executivo de Integração da Política de Transportes (Geipot), criado em 1965 e que, a partir de 1973, passou a se chamar Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes. No início da década de 1980, desenvolveu um método de cálculo que se tornou um verdadeiro manual para avaliar o custo dos serviços de transporte coletivo urbano. 

 

 

 

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