BRASÍLIA - Diante das repercussões e desdobramentos no Congresso Nacional, a reportagem de O TEMPO Brasília procurou líderes partidários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal para saber como eles se posicionam sobre temas polêmicos com relevância no debate nacional, como o tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
As sobretaxas aplicadas pelo governo dos Estados Unidos sobre exportações brasileiras começarão a valer no próximo dia 6 de agosto, e a lista de itens afetados pelo tarifaço é menor do que a inicialmente esperada. Houve a exclusão de alimentos e bebidas, como o suco de laranja, e alguns produtos, entre eles os destinados à aviação. As carnes e o café, entretanto, ainda sofrerão o impacto das tarifas.
Lei de Reciprocidade
Nesse cenário, deputados e senadores que lideram bancadas no Congresso foram questionados sobre as ações que o Congresso pode adotar para minimizar o prejuízo gerado pelo tarifaço, além da Lei da Reciprocidade.
Aprovada pelo Congresso Nacional em abril em meio ao primeiro pacote tarifário adotado por Trump, a Lei da Reciprocidade foi sancionada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ainda naquele mês. A regulamentação da legislação por decreto demorou e aconteceu apenas no último dia 14 de julho diante do novo tarifaço. A lei é um instrumento que permite ao Brasil responder com sanções comerciais a ações e políticas unilaterais de países que geram impacto negativo à competitividade dos produtos brasileiros no cenário internacional.
Líderes defendem negociação comercial e diplomática
O líder do Podemos no Senado, Carlos Viana (MG), avaliou que a principal opção do Congresso é abrir o diálogo com os Estados Unidos a partir da delegação de senadores que cumpriu agenda em Washington entre segunda-feira (28/7) e quarta-feira (29/7).
"O que o Congresso pode fazer é o que nos propomos nos Estados Unidos: abrir novamente o diálogo pelo Parlamento entre os dois países e com os setores empresariais envolvidos, mostrar claramente a separação que deve existir entre políticos, governos e ideologia partidária", analisou. "Essa é a colaboração que podemos dar, porque no âmbito da legislação, o assunto tem que ser tratado de presidente para presidente. É algo que nos preocupa muito porque estamos diplomaticamente isolados nos diálogos com os Estados Unidos", acrescentou.
Para o líder do União Brasil no Senado, Efraim Filho (PB), cabe à diplomacia brasileira garantir o diálogo com os Estados Unidos para pacificar as relações. Ele considera que Trump errou ao aplicar tarifas tão altas aos produtos brasileiros, mas, analisou que o Brasil também erra ao manter conversas com países como Irã e Venezuela.
"Acredito que o diálogo e a diplomacia têm que avançar para reconstruir essa relação, que tem sido uma relação muito difícil, dos Estados Unidos com o Canadá, dos Estados Unidos com a União Europeia, e com o Brasil...", afirmou. Ele também se disse crítico à medida. "Espero que seja revertida. Acho que os excessos e abusos do STF têm que ser combatidos, mas não prejudicando o empresariado brasileiro", completou.
O Supremo Tribunal Federal (STF), citado por Efraim, aparece na carta em que Trump revelou a aplicação das sobretaxas aos itens produzidos pelo Brasil. No documento, o presidente norte-americano critica a atuação do STF e diz que a Corte brasileira aplica ordens "secretas e ilegais" contra as big techs, criticando, ainda, o julgamento da ação contra o ex-presidente Jair Bolsonaro no tribunal.
Políticos divergem sobre ações de reciprocidade
O líder do PSDB no Senado, Plínio Valério (AM), avalia que a Lei da Reciprocidade é a ferramenta de que dispõe o governo brasileiro, mas, analisa que aplicar o mesmo patamar de taxas não é o melhor a ser feito. "A reciprocidade deve ser usada em algum grau, agora, querer usar no mesmo grau que o Trump é muito arriscado", declarou.
Na avaliação dele, o pacote tarifário de Trump contra o Brasil passa, inevitavelmente, pelo STF. "Deixa o Congresso resolver. Nós somos maioria para conceder anistia [aos envolvidos no 8 de Janeiro, entre eles Bolsonaro]. O país tem tradição de anistia, tanto é que a presidente Dilma é anistiada, o Lula é anistiado...", ponderou. "Joga para o Congresso que a gente resolve com essa questão da lei da anistia", concluiu.
Na avaliação do líder do PL na Câmara dos Deputados, Sóstenes Cavalcante (RJ), não cabe ao Congresso debater medidas contra as novas taxas impostas pelos EUA ao Brasil. “Não acho que é ação do Congresso. Quem tem que resolver é o governo Lula através do corpo diplomático e da negociação bilateral. Até porque não cabe interlocução. É uma decisão soberana do governo dos EUA”, avaliou.
O líder do partido Novo, deputado Marcel van Hattem (RS), vai além e critica, inclusive, a Lei de Reciprocidade. “É inútil”, declarou.
Ala defende participação do Congresso em negociações
Já o líder do Solidariedade, Áureo Ribeiro (RJ), acredita que o presidente Lula deve conversar com os líderes partidários para definir uma agenda de propostas legislativas para enfrentar o tema. “A Câmara retoma os trabalhos na segunda-feira (4/8). Se até lá, não houver acordo, acredito que o presidente Lula tem que sentar com os líderes para definir uma agenda”, disse.
O líder do PDT, deputado Mário Heringer (MG), considera que a Lei da Reciprocidade “já dá ao governo mecanismos para enfrentar a situação”, mas não descarta uma pauta de discussão dentro do Legislativo. “Outras propostas que visem diminuir os impactos do tarifaço podem e devem ser buscadas pelo Congresso”.
Impeachment de ministro do STF
Os líderes também foram perguntados sobre outros dois temas: se são contrários ou favoráveis à possibilidade de o Congresso analisar os pedidos de impeachment do ministro Alexandre de Moraes e como avaliam as medidas cautelares impostas por ele ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A lei brasileira não prevê a possibilidade de impeachment de ministros do STF, mas a Constituição garante ao Senado a competência de processá-los e julgá-los por crimes de responsabilidade. Essa é a brecha à qual se apega a oposição e críticos à atuação dos membros da Suprema Corte. Mais de 50 petições contra figuras do STF constam entre os documentos protocolados no Senado.
Atualmente, Alexandre de Moraes é o principal alvo, e há uma pressão da oposição sobre o presidente do Congresso Nacional, senador Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), para pôr em pauta uma dessas petições. A possibilidade é tratada como carta fora do baralho por aliados de Alcolumbre, e há a avaliação de que a retirada de um ministro do STF por determinação do Senado agravaria a crise institucional entre os Poderes.
Destituição de Moraes também divide líderes
Viana não acredita que o pedido de impeachment de Moraes prosperaria no Congresso. "Se viesse, eu votaria a favor", afirmou. "Agora, acho muito difícil que ocorra", completou.
O líder do Podemos acredita que é necessária uma revisão das regras de operação do STF. "Nós, parlamentares, precisamos fazer com que as regras sejam mudadas. O que está ao alcance do Parlamento é mudar a forma de funcionamento do Supremo, determinar mandato para ministros, acabar com as decisões monocráticas, e, principalmente, mudar a forma de escolha de um ministro do Supremo", concluiu.
Efraim Filho diz que teria "coragem" para discutir o tema no plenário do Senado, mas, afirmou que não há condições de colocar o assunto em votação. "A pauta do impeachment ainda não tem os votos necessários. Precisa de 54 votos. Hoje a conta que se faz é de 36 a 38 votos. Eu já votei impeachment de presidente. Votei o impeachment da presidente Dilma [Rousseff]. Então coragem não me falta pra enfrentar essa pauta. Se tiver os votos, o impeachment vai para a pauta. Mas hoje não é o cenário", avaliou.
Os líderes de partidos da oposição são favoráveis à análise dos pedidos pelo Senado. “Acho que o Senado deve se debruçar sobre o assunto”, afirmou Sóstenes.
“O Congresso tem de exigir que Lula e o STF parem de perseguir opositores, dentro e fora do país, e recoloque o país no mapa mundial das democracias. Sou a favor de impeachment e, após o devido processo e comprovados crimes de abuso de autoridade e violação de direitos humanos, a prisão de Moraes”, declarou Van Hattem.
No entanto, o líder do PDT não vê razão para o andamento desses pedidos. “Não acho que há razões para que esse tipo de proposta seja analisada pelo Senado”, opinou Heringer.
Cautelares a Bolsonaro
No último dia 18 de julho, o ministro Alexandre de Moraes determinou que o ex-presidente Jair Bolsonaro usasse tornozeleira eletrônica. A decisão inclui ainda recolhimento domiciliar noturno, proibição de uso de redes sociais e de contato com investigados, diplomatas e embaixadores.
A medida foi tomada a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), que apontou riscos de fuga, obstrução de Justiça e ameaças à soberania nacional.
Um dos principais pontos da decisão foi a transferência de R$ 2 milhões via Pix para o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), em maio, enquanto ele já estava nos EUA. Para Moraes, o repasse indica tentativa de atrapalhar investigações e articulação entre pai e filho para frustrar a aplicação da lei penal.
Moraes considerou também a tentativa de coação ao Judiciário e um ataque à soberania brasileira em declarações públicas de Bolsonaro sugerindo que o fim das sanções dos EUA estaria relacionado com uma possível anistia a ele.
Líderes criticam restrições assinadas por Moraes
A avaliação dos senadores é de que as medidas restritivas aplicadas a Bolsonaro pelo ministro do STF são, no mínimo, desnecessárias. Carlos Viana argumenta que não há razões que justifiquem o monitoramento do ex-presidente com tornozeleira eletrônica ou o recolhimento noturno. "As decisões que têm sido tomadas pelo Alexandre de Moraes não estão previstas em lei e são desnecessárias e até abusivas", declarou.
"Jair Bolsonaro responde a vários processos, mas não tem condenação. Ele tem endereço fixo, e, pelo menos ao que se sabe, nenhum planejamento para deixar de responder a Justiça. Entendo que tem sido mais uma demonstração de força do ministro do que propriamente uma necessidade diante do processo", acrescentou.
Efraim concorda. "Acho que está tendo dois pesos e duas medidas e acho que é injusta a operação e a condenação do presidente (Bolsonaro)", disse.
O líder do PSDB avalia que as restrições não têm razão de ser e são desproporcionais. "São medidas absurdas que extrapolam qualquer sentimento de consciência, de conciliação, de razão e de sensatez", disse. "Mas, acho que a coisa começou a mudar. Quanto mais ele [Alexandre de Moraes] exagera agora, as coisas vão ficar melhores, porque se voltam contra ele. Então, imagina só o Moraes sem poder ir a Nova Iorque, usar aqueles casacos...", completou.
Os líderes Sóstenes e Van Hattem são contrários às restrições impostas ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
Heringer, por sua vez, critica algumas medidas cautelares determinadas pelo ministro Alexandre de Moraes. “Sou a favor de algumas, mas essas limitações não ficaram bem claras e precisam de melhores esclarecimentos. Não há como responsabilizar o ex-presidente por atos de terceiros”, pontuou. O deputado Áureo Ribeiro, por sua vez, não quis comentar.
A reportagem de O TEMPO procurou todos os 17 líderes partidários do Senado e os 20 líderes partidários da Câmara. Aqueles que responderam, tiveram seus posicionamentos incluídos na matéria. O espaço segue aberto para novas manifestações.