BRASÍLIA – Ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid pediu aposentadoria antecipada do Exército, alegando não ter mais condições psicológicas de continuar a atuar após virar delator no processo da suposta trama golpista.
A informação foi revelada pelo seu advogado, Jair Alves Pereira, durante sustentação oral na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), na terça-feira (2/9), no primeiro dia do julgamento do chamado “núcleo crucial”, que tem oito réus, incluindo Cid e Bolsonaro.
Pereira falou sobre o pedido de aposentadoria do cliente ao criticar a Procuradoria-Geral da República (PGR) por pedir a redução de benefícios a Cid, que assinou um acordo de colaboração premiada, em caso de condenação pelo colegiado do STF.
“Não seria justo que o Estado, agora, depois de fazer tudo isso, com cautelares diversas, da prisão há mais de dois anos, afastado de suas funções – inclusive, pediu baixa do Exército porque não tem mais condições psicológicas de permanecer como militar –, que agora chega no final e o Estado diz ‘você me ajudou, tudo certo, mas agora vou te condenar’. Se fizermos isso, acabou o instituto da colaboração premiada”, afirmou o defensor do tenente-coronel.
Ao assinar o acordo de colaboração premiada com a Polícia Federal em agosto de 2023, Cid pediu um perdão judicial ou, no máximo, uma pena de até dois anos de prisão. Porém, ele infringiu medidas cautelares, ao se comunicar com outras pessoas por meio de aplicativo de mensagem.
Morto fictício
O Exército confirmou à equipe de O TEMPO em Brasília ter recebido o pedido formal de Mauro Cid, em agosto. Ele, que tem 46 anos de idade e 29 anos e 6 meses como militar, solicitou “cota compulsória”. Conforme regras do Exército, ela é permitida a quem tem mais de 20 anos de serviço prestado.
Com esse mecanismo, o militar vai para a reserva e passa a receber um valor proporcional ao tempo de serviço, podendo manter benefícios como salário e plano de saúde. Por outro lado, não tem mais direito à casa funcional, mas pode exercer uma outra profissão.
No entanto, o pedido precisa ser analisado por uma comissão, que já foi formada. O grupo elabora um parecer sobre o caso. Esse documento, que não tem prazo para ser concluído, é submetido ao comandante do Exército. Portanto, Tomás Paiva dará a palavra final.
A carreira militar do tenente-coronel ficou congelada durante a tramitação da ação penal da trama golpista. Na condição de réu, Cid não pode ser promovido. Seu nome foi retirado da lista de promoção por antiguidade ou merecimento. Ele ainda pode responder por crime militar.
Caso seja condenado no STF a mais de dois anos de prisão, o ex-ajudante de ordens poderá perder o posto e a patente e ser banido do Exército. Ele será considerado um “morto fictício”, e seu salário passará aos familiares a título de pensão, como previsto pelas normas das Forças Armadas.
Quem está no banco dos réus
Veja a seguir quem são os oito acusados de integrar o “núcleo crucial” da suposta trama golpista que estão sendo julgados:
- Jair Bolsonaro: capitão do Exército de 1973 a 1988, foi presidente da República de 2019 a 2022;
- Alexandre Ramagem: diretor da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) no governo Bolsonaro, foi delegado da PF; atualmente, é deputado federal;
- Almir Garnier: comandante da Marinha na gestão Bolsonaro, é almirante de Esquadra da Marinha;
- Anderson Torres: ministro da Justiça no governo Bolsonaro e delegado da PF, era secretário de Segurança do Distrito Federal nos atos de 8 de janeiro de 2023;
- Augusto Heleno: ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) de Bolsonaro, é general da reserva do Exército;
- Mauro Cid: ex-ajudante de ordens da Presidência, era um dos principais assessores de Bolsonaro; é tenente-coronel do Exército;
- Paulo Sérgio Nogueira: ministro da Defesa na gestão Bolsonaro, é general do Exército;
- Walter Braga Netto: general da reserva do Exército, foi ministro da Casa Civil e da Defesa de Bolsonaro, e vice na chapa do ex-presidente em 2022.
Os crimes em análise
O grupo responde por abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, participação em organização criminosa, dano qualificado contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
A exceção é Ramagem que, por ocupar mandato de deputado, responderá agora somente pelas acusações de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolir o Estado democrático de direito e organização criminosa. O julgamento dos outros dois crimes deve ser retomado pela Justiça quando ele deixar o cargo.
Todas as acusações se apoiam em uma lei sancionada pelo próprio Bolsonaro em 2021, que tipificou de forma mais clara os crimes contra a democracia após a revogação da antiga Lei de Segurança Nacional.
As investigações
As apurações da PF começaram após os atos de 8 de janeiro de 2023, quando as sedes dos Três Poderes foram invadidas e depredadas. A investigação revelou um conjunto de elementos que, segundo a PGR, demonstram a existência de um plano orquestrado de ruptura institucional.
Entre as evidências, estão: a elaboração da chamada “minuta do golpe”, impressa no Palácio do Planalto, que previa decretar Estado de Defesa no Tribunal Superior Eleitoral (TSE); a pressão sobre comandantes militares; a disseminação de fake news contra as urnas; e até planos de assassinato de autoridades.
O que está em jogo
O processo contra o “núcleo crucial” é considerado o mais sensível do conjunto de ações penais abertas após os atos de 8 de janeiro. Para a PGR, esse grupo representava o núcleo decisório e operacional do suposto golpe. Ao todo, são 32 acusados organizados em quatro núcleos distintos, mas o foco inicial recai sobre os oito que, em tese, tinham poder de mando e articulação direta.